sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A minha solidão me faz maior que o universo

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Para minha amiga Cynthia, com carinho.

Uma amiga me escreveu hoje dizendo que se sente só. Que está rodeada de gente e ainda assim se sente só. Vi em algum lugar do meio virtual uma coisa bem bonita que descreve a sensação: “O vazio cola o umbigo na costela”.


O que será que devemos fazer para nos livrar disso? Será que é possível se livrar? Ou temos apenas que aprender a conviver com esse vazio que faz do umbigo e da costela dois vizinhos?


Todos nós – querendo ou não - andamos lado a lado com a tal da solidão. A cronista e jornalista Martha Medeiros, já escreveu sobre a solidão, esse sentimento que rejeitamos. A Martha falou com indignação, disse que todos querem se livrar da solidão “como se fosse um tumor maligno”, quando na verdade é um sentimento tão legítimo quanto à alegria. Eu concordo plenamente com ela.


Faz um tempo já que decidi assumir meu relacionamento com a minha solidão. Já brigamos tanto - ou melhor, eu que brigava com ela - tentei mandar ela embora, tentei questionar sua existência, e por muito tempo tive um medo gigante de saber que a qualquer hora ela chegaria para me aterrorizar.


Hoje, fizemos as pazes. Tanto que me sinto a vontade para vir aqui e falar sobre a solidão, a minha e a dos outros.


É importante que não confundamos sentir solidão com sentir-se solitário. O solitário é carente, carece de gente. A solidão é algo mais do “eu comigo mesmo”, é uma inquietação da alma, é uma coisa que se sente, e não uma coisa que se quer. Quem sente solidão só carece de si mesmo!


Pensando bem, acho que ela é uma coisa meio física... Isso mesmo: um sintoma físico, igual quando ficamos doentes. Esses dias fiquei gripada. Precisei então, dar uma desacelerada em várias coisas, pois meu organismo estava todo debilitado. Rendi menos no trabalho, comecei a secar o cabelo antes de sair de casa, pensar em todas as formas de cuidar de mim, com remédios e chás e horas a mais de sono. Fiz tudo isso por um simples motivo: meu corpo me pedia, implorava!


É isso que a solidão faz, bate no peito como um aviso de que é hora de se recolher, de se voltar para dentro, de repensar algo, de se cuidar com carinho.


Temos que aprender a prestar atenção nos nossos sentimentos, só assim vamos saber detectar que sentimento chega. Quando é a vez da solidão ficamos ignorando, saindo para lá e para cá, feito uns desesperados, destrambelhados, procurando algo ou alguém que preencha o vazio no peito. Tem quem casa pensando em se livrar da solidão, sem saber que não tem casamento, relacionamento, ou qualquer coisa que nos apartará dela. O escritor inglês Cyril Connoly disse satirizando: “O pavor da solidão é maior que o medo da escravidão: assim, nos casamos”. Seria cômico, se não fosse trágico!


Eu diria – com base em minhas experiências - que tudo o que devemos fazer é parar um tantinho de tempo e cumprir o que Ela nos pede: i-so-la-men-to.


Cuidemos então de nossa solidão, ela é tão autêntica quanto a alegria e, portanto, merece toda nossa atenção, todo nosso carinho e respeito. Se pensarmos bem, o único sentimento que dá chance à nossa individualidade é este. Quem mora com os pais, marido, ou filhos, vive reclamando que não pode ter um tempo sozinho. Ta aí: a solidão é a chance de ficar sozinho mesmo quando todo mundo está do seu lado, ninguém importa, só você.


Quero dizer a minha amiga que isso pode ser bom! Podem me achar louca, mas agora enquanto escrevo aqui, me chegou a ideia de que a solidão é o sentimento que nos humaniza, porque olhando lá no fundo da gente, conseguimos olhar lá no fundo do outro. Mesmo nos sentindo tão fora do mundo, nos conectamos à ele, pois a solidão pertence a todos e por isso nos iguala!


Lembrei de um conto da Clarice, sobre uma moça rica que conhece um mendigo. Conversando com ele, a moça percebe que é tão pobre quanto ele. Não lembro agora o que a fez se sentir igual a ele, mas acho que se tem um sentimento que liga o rico de dinheiro ao pobre de dinheiro é a solidão.


Eu nunca tinha parado para pensar o quanto gosto de sentir solidão. Hoje, quando ela bate na porta, até fico feliz. E tem vezes que eu a chamo.


Fico feliz por saber que é o meu estado de espírito mais fundo, onde aquele buraco no peito me deixa sensível para os cheiros, temperos e destemperos. Você se sabe ali, mas não consegue se voltar para nada que não venha de dentro de você. Alguém fala comigo, quando estou assim, e eu até respondo, mas eu não sei qual foi a pergunta nem qual foi a resposta, o meu corpo liga um piloto automático para lidar com as burocracias básicas do cotidiano e eu possa curtir meu estado de internamento. Que lindo, não?


Não sei como demorei tanto para começar a acolher minha solidão, pois ela faz me sentir maior que o universo, é isso: sinto como se eu olhasse o mundo de fora (ou de cima?), como se apesar de estar ali fazendo parte e vivendo, estivesse, na verdade, com o mundo nas mãos, rodando, rodando, e sentindo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Por uma alma sem GPS

     Fiz ontem, uma pergunta ao querido Márcio Vassalo, que é jornalista e escritor.
     Ele me respondeu agora, e estou publicando aqui.
   
Ver resposta no site do Márcio

"Querido Márcio,
Acompanho suas respostas aqui, nunca perco nenhuma! Aprendi a viver lado a lado com o encantar-se, e esse espaço me ensina cada dia mais em como devemos lidar com as situações difíceis da vida sem perder o brilho. Eu queria que você falasse então de como lidar com o encantamento quando se está apaixonado? Parece bobo, mas o encanto pode ser coberto por tantas emoções fortes envolvidas: é um tanto de medo, de ciúmes, de insegurança... Li uma frase do Drummond que diz assim “O tempo não é medido pelo relógio, mas pelo vácuo na comunicação, pela expectativa sem segurança”. A expectativa sem segurança, acho que é isso que distrai o nosso encanto."

- Bruna Magno, jornalista - Curitiba – PR




Bruna querida,

A sua mensagem deu brilho no meu dia. Estou aqui com um bocado de e-mails para responder, um bocado de textos para terminar, um bocado de gente para telefonar, um bocado de coisas para fazer na rua, às vésperas do lançamento do meu livro e de uma viagem de semana toda para Belém do Pará, mas resolvi respirar para te responder. Ou será que te respondi para respirar? Assim, respirando com fundura, encontrei uma foto minha de quando eu tinha onze anos de idade, com o sorriso mais dentuço e mais oferecido de todos os sorrisos que eu já dei na vida. Bem, como faria o Mario Quintana, perguntei a esse garoto o que ele estava pensando de mim hoje. E então, enquanto o menino da foto pensava para me responder, decidi desacelerar um pouco, e te escrever agora, ouvindo La vie en Rose, música que eu cantava para ninar o Gabriel, meu filho, há uns dez anos, quando ele ainda não pesava nos meus braços.

Vou te dizer o que eu acho, como sempre faço aqui, nas minhas respostas, viu? Antes de tudo, é uma delícia saber que você está namorando O livro dos sentimentos. E nada do que sentimos é bobo, não, Bruna. Bobagem costuma ser o que nós fazemos com os nossos sentimentos e, mais do que isso, o que quase sempre deixamos que eles façam conosco. De fato, não temos como escolher os momentos em que aparecem os nossos medos, as nossas inseguranças, os nossos ciúmes, as nossas raivas, os nossos desassossegos, as nossas emoções mais indesejadas. Mas podemos escolher a hora em que vamos interromper tudo isso. A tarefa é difícil, sim, mas compensa a vida toda vez que dá certo.

Bruna, compensações à parte, será que uma expectativa sem segurança é realmente o que distrai nosso encantamento? Será que toda distração de encantamento é ruim? Tem vezes que nos distraímos do encantamento só para voltarmos ainda mais intensos e inteiros para ele. E também tem vezes que o encantamento é que se distrai de nós, de tantos ruídos que fazemos com os nossos pensamentos engarrafados num trânsito sem fim.

Quando falamos de sentimentos, incluindo aí a paixão, toda expectativa é um salto no trapézio, sem rede de segurança. Nesse caso, os sobressaltos, as taquicardias e os riscos são a danação e o encanto do que sentimos, do que nos tira o chão e nos dá asa ao mesmo tempo. Mas, para mim, na realidade, o que nos empurra para longe do encantamento, acima de tudo, são as nossas urgências mais sem importância, os nossos pensamentos mais barulhentos, as nossas ansiedades mais tiradoras de poesia, os nossos medos mais alimentados, a nossa vontade de controlar tudo o que nos acontece de mais belo, como se isso fosse possível. Será que existe controle para a beleza? Ou será que no fundo a beleza é o que mais nos descontrola? Numa época em que vivemos obcecados pelo êxito, pelo acerto, pelo sucesso e pelo controle, numa época em que grande parte do mundo tenta meter um GPS na alma da gente, perder o rumo e errar também pode nos fazer mais livres, plenos, mais autênticos, mais felizes. Outro dia autorizei uma amiga a errar. Gostei tanto que hoje me autorizei também. Que tal você errar um pouco hoje, Bruna? Errar também pode ser uma forma de se encantar. Afinal, não há nada mais incerto do que a beleza.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre extraterrestres e torniquetes

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 Pedaços soltos de música, trechos perdidos num texto no meio de um livro, uma cena de filme, um recado de um amigo. Vim de encontro com todas essas coisas ontem. Aliás, sempre estou no meio de tudo isso - música, texto, filme, amigos. Mas ontem em especial, essas coisas estavam todas interligadas, como se me pedissem para fazer algo por elas.
Eu nem sabia o que poderia fazer, não via como escrever sobre todas elas ao mesmo tempo, apesar de ver um laço entre elas, não saberia explicar tal conexão, talvez porque, na verdade, eu não via, só sentia, e às vezes é difícil explicar o que se sente.
Quando acontece algo assim, e me vejo impotente - com tanta coisa na mão sem saber o que fazer de tudo isso - guardo em meus rascunhos, não serve para muito, mas ao menos eu me sinto em paz, sinto como se não estivesse a ignorar nada que o mundo me sugere.
Eu joguei tudo o que me surgiu no papel, sublinhei o que me era mais chamativo, uma frase ou uma palavra e fui salvar nos meus rascunhos, salvar para me deparar com aquilo tudo, sem querer, uma outra vez.
Depois de transformar pedaços de coisas em rascunho, escutei uma música que tocava aleatoriamente e dei risada ao sentir que ela também se conectava. Pouco mais tarde recebi o recado de um amigo que falava sobre uma música que também encaixava.
Oras, pensei comigo - aquilo não era grande coisa, eram músicas que falam sobre o amor, ou melhor, sobre a falta dele. Sendo assim, é mais do que possível nos deparar com isso o dia todo, toda hora.
Ainda assim, escrevo aqui. Faço isso com o que há de mais genuíno em mim, pois escrevo sem saber onde vou parar e o faço para não ignorar tantas coincidências bobas, já que eu gosto de destrinchar bobagens.
Então, voltando a falar sobre a falta do amor ou o seu avesso... O que seria o avesso do amor?... O desamor?
Procurei nos dicionários da internet para ter a certeza do que “desamor” quer dizer, e encontrei isso: Carência de amor; desafeição; desprezo; crueldade. Que engraçada a ordem que organizaram as palavras, parece que foram selecionadas e colocadas em ordem crescente de falta de amor, onde o menor nível é uma carência, um nível médio é a desafeição, um nível mais avançado o desprezo, e o pior de todos os níveis a crueldade.
Pois bem, é bem isso que todas essas coisas me gritavam:

“Peço a Deus que aumente a minha fé, peço tão ardentemente, é a depressão?
E esta dor não localizável, outra gripe?
Por pudor não me jogo no chão nem arranco os cabelos que já estão ralos na cabeça dolorida, mas onde está aquele bom invasor (o extraterrestre) que vai ensinar a desatarraxar a cabeça latejante para dependurá-la com delicadeza no cabide?”

            Ah, que dilema! Quantos e quantos vivem a esperar o ET (extraterrestre) de quem Lygia Fagundes Telles nos fala?
            Mostrando esse trecho a uma - grandeeee - amiga, eu disse que era uma epidemia essa coisa da falta do bom invasor, e ela rebateu me dizendo ser pandemia. Mas eu penso nisso com uma diferenciação, penso que tem muita gente desesperada para não ficar sozinha, muita gente sem foco, sem direção, que nem sabe o que quer, só sabe que quer alguém. Nesse boom de desespero, qualquer um serve.
            Escutei ontem em um debate a expressão “terceirização da felicidade”, e acho que posso utilizá-la bem aqui. Pessoas desesperadas, que não sabem ser feliz e querem deixar que alguém os faça por elas. “Toma aqui minha felicidade, sua responsabilidade agora”. É triste, mas é bem assim que acontece.
            Concordo com minha amiga então: há uma pandemia de desamor. Mas eu queria falar do outro lado do muro, do lado de quem não quer terceirizar nada, só somar e dividir sem fins lucrativos.
            Estou rodeada de gente cheia de amor, filhos amados, amigos amados, profissionais amados, mas “a minha gente” tem um vazio, um desamor, que é causado pela falta do extraterrestre.
            Para essas pessoas é bem mais difícil do que para o “clube dos desesperados” de se relacionar, eles sabem o que querem, eles podem não saber exatamente que tipo de ET querem – eles têm uma ideia, mas estão abertos a surpresas – porém sabem o que querem de um relacionamento.
            E aí, mora um perigo para quem tem um mundo cheio de segurança. É perigoso por que eu acho muitíssimo complicado largar a segurança do seu mundo por amor, acho que é necessário correr riscos, às vezes até é preciso, mas que é complicado é! E eu sou a última pessoa a julgar quem tem medo de se envolver.
Eu não vou falar sobre todas as coisas que me ocorreram e me fizeram pensar nisso, mas eu achei muito ilustrativa a cena de um filme que vi. Não vou dizer absolutamente nada sobre o filme em geral, apenas sobre uma situação que leva a última cena - que é perfeita, pura, linda.
Descrição básica do fato: - uma moça escuta música alta em seu apartamento. Alguém chama a polícia. O policial se encanta por ela e a leva para jantar. Ela propõe um trato: pede que eles falem a verdade, que sejam eles mesmos, que não finjam ser quem não são como provavelmente já fizeram antes, e ele aceita o trato. Num lapso ela vai embora. Vai embora dizendo que ela é isso e aquilo e que ele não vai gostar de como ela é.
E então na última cena o policial diz:

“Eu só queria vir aqui / vir aqui e dizer uma coisa / dizer uma coisa importante / uma coisa que você disse. / você disse que nós deveríamos dizer as coisas e fazer as coisas / não mentir, não esconder essas coisas que separam as pessoas. / Bem, eu vou fazer isso, eu vou fazer o que você disse / Eu não vou deixar isso passar / eu não posso te deixar / Agora você, você me escute agora / Você é uma pessoa boa / Você é uma pessoa boa e bonita / E eu não vou deixar você ir embora / e eu não vou deixar você dizer essas coisas / Essas coisas sobre o quão imbecil você é, e isso e aquilo / eu não vou admitir isso / se você quer ficar comigo / então fique comigo, entende?/

            Misturada com a voz do policial, uma canção toca ao fundo, fazendo um contraste íntimo com a situação:

“Você parece um encaixe perfeito, para uma garota que precisa de um torniquete. Mas você pode me salvar? Venha e me salve. Se você puder, me salve da classe dos esquisitos que suspeitam que nunca poderão amar alguém”

Eu não sei o quanto preciso discorrer sobre tudo isso aqui... na verdade só queria compartilhar um mundo, não dos desesperados por qualquer um, mas dos carentes de um ET. A moça do filme me parece alguém assim ao demonstrar como pode ser a reação de alguém que espera o ET. Ela tentou abrir o jogo, mostrar que não tem paciência para os famosos joguinhos do amor, mostrar que se é para ser, que já fique claro seu jeito de ser, porque ela não está desesperada por qualquer pessoa a ponto de fingir ser quem não é.
Da música, a palavra torniquete encaixa tão perfeitamente: uma tira de pano ou outro material que sirva para amarrar alguma parte do corpo, tentando assim controlar alguma hemorragia.
Outra música da trilha sonora do mesmo filme diz o seguinte: “eu sou apenas um problema para você resolver” e “não me escolha, pois qualquer gesto de carinho pode ser mortal”. Eu escuto isso e vejo pessoas como a moça do filme alertando os ET’s que surgem no caminho, alertando dos defeitos e também da carência, já que dependendo do nível de demonstrações de afeto pode ser mortal. Penso então, quem em sã consciência faz propaganda negativa de si mesmo diante do bom invasor?
Na verdade, pessoas como a moça do filme não estão falando mal de si ou alertando o quão problemáticas podem ser, elas só querem - inutilmente - se precaver de que fizeram o possível para não amarrar à toa um pano em cima da hemorragia, por que depois de amarrado o torniquete, é difícil soltar e quando solta dói e quando dói, você que quando aceitou o ET e estava em um estágio de desamor ajustado apenas na carência, pode se encontrar nos piores estágios do desprezo e da crueldade. Mesmo analisando tudo isso, eu não acho que se deva desperdiçar uma surpresa, uma chegada por medo de sangrar ainda mais, o poeta Fernando Pessoa já dizia que tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Momentos cor de tomate



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                             “O único sentido íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo nenhum”



Eu tenho o comum hábito de querer entender todas as surpresas da vida, as boas e principalmente as más, porque as boas a gente acaba entendendo como um presente e aceita, já ás más surpresas, o que fazer com elas? Tentar entender, certo? Não devo ser a única que suplica por explicações por aí.
Concordo que é bem sábio o entendimento como forma de aprendizagem. Acho que temos sim que entender o que se passa lá dentro, na cabeça e no coração para que possamos agir com mais sabedoria, sem futuros arrependimentos.
Já não sei se é sábio tentar entender os fatos, arranjar uma explicação para tudo. É o relacionamento que acabou de um dia para o outro quando tudo parecia ir bem, é uma amizade longa que já não faz mais sentido, é alguém muito querido que foi dessa para uma melhor, é uma doença que chega...
Meu tio ficou doente, coisa séria mesmo. Era o tal do câncer, doença que já judiou da minha e de tantas outras famílias. Aconteceu que eu fiquei neurótica tentando entender o motivo, parece que quando colocamos todos os nossos pensamentos numa coisa só, o que mais queremos é um esclarecimento e, nesse fluxo de pensamento sempre encontramos um motivo que encaixe.
O tio Lauro fez uma cirurgia há duas semanas. Na sala de espera do hospital estava a família todinha, angustiada e temerosa. Eu queria uma coisa plausível para confortar o pessoal, mas nada surgia, nenhum clarão, nenhum sinal divino.
Quando a cirurgia acabou ele foi para o quarto e, ali naquele quarto de hospital, eu achei que entendi alguma coisa. Ele tinha um brilho bem peculiar presente no olhar, me disse que ficou com medo de ser operado, mas que agora estava bem e confiante, estava com sede de vida! Ele dizia que ainda ia trabalhar muito, ficou relembrando – com aquele brilho no olhar – como ele fazia no trabalho. Contou-nos que o dia terminava e ele nem achava suficiente, que sempre queria ter uma hora a mais para trabalhar.
Ai eu pensei: é isso! Tem doença que mata, mas tem doença que faz viver! Que linda eu, tentando criar uma justificativa decente do motivo pelo qual deus, ou a vida, ou o universo - ou seja lá o que for - mais uma vez vem machucar minha família com essa doença das células.
A minha justificativa nem foi compartilhada, era uma coisa para mim mesma, para eu me sentir confortável e aceitar que ele realmente só precisava passar por aquilo para aprender a viver com mais brilho no olhar. 
Mas não sei se fez sentido. Em outros casos pode até servir, com alguma outra pessoa que não tenha sensibilidade para olhar para os encantos da vida. Mas, meu tio tinha sim - depois daquela cirurgia - um brilho bem especial no olhar! Quem não teria? Você entra num centro cirúrgico com medo de nunca mais voltar, e volta. Claro que tudo vai brilhar... mas eu já vi os olhos dele brilharem antes, eu seria hipócrita de dizer que ele não tinha encantamento na vida ou que ele é um cara de mal com a vida.
Ás vezes o chamamos de Zé Criquinha, igual chamam a mim de anti-social. Famílias têm dessas, uma vez chorão quando pequeno será chamado de chorão pro resto da vida, quantos amigos magros temos e não entendemos o porquê o apelido dele em casa é "Gordo"?
Meu tio é um chato mesmo, eu admito. Ele odeia que desperdicemos momentos em família para ficar no computador, pode apostar que se estão todos na cozinha comendo, bebendo, conversando e alguém se manda pro computador, ele vai falar tanto, mas tanto, que ninguém aguenta.
Dos cinco filhos da dona Rose e do seu Lauro - meus avós - ele é o único que diz umas boas verdades, doa a quem doer. Odeia probleminhas inventados e é fã do rock brasileiro dos anos 80.

Tio Lauro me mostra as fotografias do Rio de Janeiro e de Florianópolis - onde ele trabalhou. Ele ama essas cidades costeiras! Não mostrava fotos por mostrar, mas sim porque tem dom e olho de fotógrafo. Quer coisa mais encantadora que ter olho de fotógrafo, quê enxergar a vida de um ângulo especial?
Ele sempre diz: “Bru, eu sei que você morou lá nas gringas, mas duvido que lá tivesse um barzinho de frente pro marzão azul, a areia branquinha branquinha e o Cristo logo ali com os braços abertos”. Fala assim, do Rio, de Floripa, Guaraqueçaba, Morretes, Antonina como quem visualiza com amor. Ele vê poesia na vida!
Vai ver é coisa de família essa coisa da poesia nos olhos. 
Esses dias eu estava na cozinha e minha mãe quase chorou cortando um tomate, sim um tomate e não cebola! Ela chamou meu outro tio, Luciano,  para ver o vermelho radiante do tomate que ela cortava, os dois ficaram ali perplexos olhando o tomate, balançavam a cabeça como se reverenciassem o tomate. Poesia!
Pensando nisso, lembrei de uma frase com a qual esbarrei na internet esses dias, que dizem ser de Leonardo da Vinci “A mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza em vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação”.
É isso então: é nesses momentos cor de tomate que temos que nos apegar mais, temos que reparar mais, curtir mais, ao invés de procurar respostas para as coisas que não têm explicação, porque o conforto sempre vem, mesmo sem resposta, o abraço da vida sempre chega.
Quando meu tio saiu do hospital e foi para casa, fui visitar ele e passar o dia com a minha família. Saindo de casa na pressa, costumo catar uns livros e jogar na bolsa, peguei um livro do Fernando Pessoa: poesia!
Na mesma cozinha que vi minha mãe contemplar um tomate, peguei o livro e comecei a ler para o meu avô, enquanto ele enxugava a louça. Li os textos que me fizeram ver que não existe motivo para as coisas e li outros que diziam que o único motivo plausível é amar a vida.
Para falar do meu tio ainda, ele vai ficar bem, ele desacelerou a vida para se cuidar e o mais importante, com ou sem doença, ele está bem acompanhado! Tem a companhia de uma família que morre de amor por ele, e o mais importante: está acompanhado do seu próprio brilho.
Segue abaixo os textos que me fizeram parar de procurar respostas.

De Fernando Pessoa,

Sobre contemplação
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar nelas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
e luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Sobre o sentido das coisas...

O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.
***

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Let's walk the waters to help heal the love...

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Ontem conversei com uma amiga. Uma amiga que só vi uma vez na vida, mas que é minha amiga! Eu sei que é estranho, eu também acho! Vai entender essas sintônices cósmicas que acontecem por aí, não é?
Essa amiga minha terminou um namoro de anos. Eu tentava consolá-la, e resolvi escrever sobre esses finais que fraturam tantos corações diariamente.
            Essa coisa de terminar namoro é um tédio geral!
            Você acaba tendo de contar para todas as pessoas que convivem contigo, pois ou você vai ficar um tempo com cara de bunda, ou se sua cara for convincente, sempre vai ter alguém que vai perguntar “fulano vem te buscar?” ou “fulano vai contigo amanhã lá?”. É uma coisa sem escapatória! E o detalhe mais tedioso é que você tem de repetir tudo mil vezes. Seria bem mais fácil convocar uma reunião e acabar com o tédio de uma só vez.
             Daí vem os consolos. Claro que nessa hora é bom ter os amigos por perto, mas eu penso nisso como um mini-luto, ou seja, se na hora de um enterro ninguém se arrisca a dizer nada além de “meus pêsames”, que seja assim também aqui, podendo substituir a palavra “pêsames” por uma à altura de mini-luto, como um “sinto muito”, por exemplo. Pronto, só isso tá ótimo!
            Não adianta, sempre tem alguém que diz para olharmos pelo lado bom e soltam aquele “pense bem, foi eterno enquanto durou”. A frase pode ter boa intenção, mas nessa hora tão fresca, tão já, a gente quer ter o direito de ficar revoltado.
        A dor de um término é igual o sentimento de paixão/amor do começo/meio do relacionamento: eterno enquanto dura. Eu diria que a dor é mais legítima, mais fiel ao tal do “eterno enquanto dure”, pois enquanto doemos, sentimos essa eternidade, e achamos que é tão grande, que nunca vai acabar, por mais que todos nossos amigos nos jurem de pés juntos que tudo passa, que da mesma forma que o amor chegou e foi embora a dor que chegou logo irá embora também, mesmo que todos nos garantam isso, a família, nossos autores prediletos, nossas músicas... não adianta, a dor é eterna ali naquele momento e não tem nada que ninguém possa fazer a não ser deixá-la ser.
Claro que ir embora para sempre a dor nunca vai, assim como embora da gente para sempre aquele relacionamento e aquela pessoa nunca vão, sempre fica alguma coisa, às vezes ficam várias! Mas a tormenta causada no início do fim passa sim.
Esse texto é um fôlego bem curtinho que eu tomei para dizer para minha amiga lá de longe, que ninguém vai passar por essa coisa toda por ela, e nem deveria, por que é um processo necessário, apesar de doloroso.
A perda dói por que é um pedaço da gente que vai junto com a pessoa, é saber que aquela pessoa que você era quando vocês eram dois acabou, é aceitar que aquele “eu” seu só existia naquela relação, e que acabou, talvez para sempre, e isso é cruel, então dói mesmo.
Eu to longe de te dizer que foi eterno enquanto durou, ao menos não agora, um dia, quando a tempestade passar fazemos uma pausa para olhar para trás com carinho e tiramos essa conclusão, mas, agora, você está de luto, então enlute!
Enlute um, dois dias, ou quem sabe uma semana, sei lá, cada um sabe do seu tempo, você nem precisa programar, o cansaço logo chega, e a necessidade de renascer bate na sua porta quando a hora for certa.
Se você se sentir muito sozinha, não se preocupe, é normal! Basta um tempo vivido com outra pessoa para acharmos que não nascemos sozinhos. Vem a separação e nos perdemos. Perdemos o rumo, a identidade, parece que perdemos uma parte do corpo junto.
Se por isso você precisar se mascarar e não parar um momento para que tudo isso te doa, vá lá, tudo bem... faz parte do luto, faz parte de tudo isso, e você tem o direito de escolher como vai ser o tratamento, você é quem sabe o que vai te curar mais rápido, ou até mesmo devagar, o importante é respeitar o seu próprio tempo.
Eu não sei, minha amiga, eu não sei de nada, só arrisco saber para ajudar você! Se a tentativa não foi lá tão boa, tudo bem também, eu tenho certeza que serviu para você sentir-se um pouquinho que seja menos sozinha, um pouquinho que seja mais amparada, e eu não contei antes, mas o objetivo aqui não era fazer você compreender algo, e sim sentir algo. Sentir amor, numa fase de tanto desamor. Sinta-se abraçada.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre uma gargalhada, sobre o meu pai...


Eu queria escrever para o meu pai. Escrever alguma mensagem especial para o simbólico dia dos pais. Mas escrever mecanicamente eu não consigo.
É verdade que escrevo por escrever, mas surge sempre de algum lugar, e o que não é natural eu tento evitar e não inventar.
Porém, na última semana, assistindo ao filme “Estão Todos Bem”, eu quis escrever sobre o meu pai.
Eu não vou contar o enredo todo aqui, pois seria um pecado, já que é um filme que vale a pena assistir, um filme da alma. Mesmo quem não gosta de drama, pode se encantar com a interpretação de Robert De Niro.


Neste filme, De Niro, viaja pelos Estados Unidos para ver os quatro filhos que sempre prometem visitá-lo e nunca o fazem. O que me faz escrever aqui é uma cena bem simples e curtinha. Viajando de ônibus, ele faz uma parada nesses restaurantes de beira de estrada para jantar. O lugar está vazio, já é noite e ele assiste TV enquanto come. Aí então, ele dispara uma gargalhada gostosa, linda e pura por alguma bobagem que vê no programa que está passando.
Essa foi a cena que apertou meu coração e me encheu de lágrimas. Fui invadida por um sentimento de indignação e fiquei me perguntando – como se eu fizesse parte da vida deles lá do filme - como ousam esses filhos perderem de ver essa gargalhada?
Devo ter perdido a cena seguinte de tão indignada que fiquei.
É óbvio que a pergunta não era para os quatro filhos do De Niro e sim para mim.
Como eu ousava perder as gargalhadas do meu pai? Dias vão e vem e eu aqui, enquanto meu pai ri por aí! Como ouso?
Demorei um instante para me dar conta que não poderia me queixar disso, que essa cobrança não é devida comigo. Consegui me perdoar rapidamente ao lembrar que, com certeza, eu tive as melhores gargalhadas do meu pai só para mim. Sempre junto, sempre grudada, sempre preocupada com a vida dele tão movimentada.
Viajava daqui do sul ao norte, ia e vinha, mas sempre estava presente. Até eu ter vinte e um anos, o único aniversário que ele perdeu meu, foi o de quinze anos, mas nem rolou uma comemoração grandiosa e ele me pediu para faltar.


Eu não posso ficar de queixumes não. Eu tenho amigas que não tiveram isso, que a vida levou o pai delas cedo, que outra cidade levou cedo, ou que outra mulher levou cedo. Enfim: eu vivi com o meu por completos vinte e um anos.


Eu dormia e acordava na mesma casa, era obrigada a tomar as piores vitaminas matinais possíveis e tinha caronas diárias. Nas caronas a gente planejava a janta – que a mãe ia fazer, claro! – e os finais de semana, além de aproveitar a hora de trânsito para ajudá-lo a convencer meu irmão que ele precisava fazer algo da vida pra que a vida pudesse fazer algo dele.


Ele nos atormentava sábado de manhã, para ser mais exata às sete horas. Abria as janelas, batia panelas, ligava o som no último e dizia que dormir não tava com nada.

Ele me defendia quando minha irmã e meu irmão se juntavam para me torturar. Eles levavam umas cintadas por isso e eu já levei cintadas de chorar por eles apanharem. Meu pai sempre achou um absurdo isso: ter dó de quem me fez alguma maldade.


Eu era parceira dele para criar argumentos que convencessem minha mãe a ir pra praia num final de semana qualquer.

Ah, a praia! Meu pai é louco pela praia! Os olhos dele brilham igual criança quando fala da praia, e ele conta os dias para nela chegar. Ele também ama o verão, se desvencilha de tudo nessa estação. É como se o sol secasse todas as preocupações pro vento carregar.


Meu pai mora longe, não tão longe assim, mas não tão perto de mim. Eu já achei a distância uma praga. Só gora consigo entender e acredito muito na tal da distância que aproxima. Eu estou mais conectada ao meu pai hoje do que nunca antes. 

É que, quando eu era pequena, eu não acreditava que eu poderia ser tão especial para alguém tão perfeito e pensava “ah sim, claro que ele me ama, mas ele me ama por que ele tem que amar”.


Meu pai não é perfeito, está longe disso, assim como todos nós. Mas quando eu era pequena ele era a perfeição para mim, que naquela época mal sabia que perfeição não existia.

Antes, lá na infância, era aconchego, era colo, era admiração. Agora, na vida adulta, é tudo isso somado ao entendimento de que antes de pai ele é humano, que ele tem lá os seus defeitos e que mesmo assim, ele continua tendo de mim, o maior amor do mundo.


Eu sei que muitas vezes ele já não me entendeu, e eu sei que eu não entendi ele em outras tantas vezes. Talvez ainda existam vezes que não nos entendamos.

Um dia, na minha fase adolescente, eu disse que queria morrer. Ele disse que se era assim, essa também era a vontade dele. Eu disse essa e tantas outras bobeiras que partiram o coração dele.
Ele fez coisas que partiram o meu coração também. Nos perdoamos, sem muitos motivos racionais, mas só por que não tinha como ser de outro jeito.


Não tinha como ser de outro jeito por que meu pai está todo em mim. Sempre achei o máximo andar pelos corredores do trabalho dele e ver as pessoas me pararem para confirmar se, por acaso, não sou a filha do Magno. Acho o máximo quando forço o sorriso e minha mãe me chama a atenção pra eu parar de fazer a cara do meu pai. 

O pai está nos meus traços, no amor pela vida, pela praia, pelo verão, pelo natal. No jeito de me tratar bem sempre, de nunca passar vontade de uma comidinha boa, de não dar tanta importância para o dinheiro, de me tocar tanto com a vida do próximo, na capacidade que tenho de cair aqui e levantar acolá sempre.

Espero um dia contar piadas tão bem quanto ele e devolver pelo menos um pouco do orgulho que ele me deu. 

Eu acho meu pai o bam-bam-bam mesmo, o cara! Ele domina a arte de cativar as pessoas – arte que meu irmão herdou. É praticamente impossível ficar muito tempo sem falar com eles.

O pai conhece todo mundo, em todos os cantos da cidade.


Ah, a cidade. Ele conhece Curitiba e Curitiba o reconhece!

Ele dizia ser de extrema importância conhecer as ruas. “Aqui é o cruzamento das ruas mais importantes da cidade. Nunca esqueçam isso: Marechal com Marechal!”. Nunca vou esquecer-me das Marechais, pai!

Daí eu herdei isso, cresci achando importante saber das ruas. Eu adorava decorar os nomes para dizer: “pai, me leva na casa da fulana? É só pegar essa, virar naquela, cruzar aquela e pronto!” e ele ria. Ria um sorriso que dizia que ele já sabia.


Mesmo se eu quisesse essa cidade não me deixaria esquecê-lo. Ele está por toda parte, não só na Deodoro e na Floriano. 

Será que era isso então? Ele queria garantir que de um jeito ou de outro não seria esquecido? Seria esse o motivo de ele ensinar essas coisas com tanta insistência, repetindo todos os dias, para fixar na gente? A repetição dele só parava quando a gente repetia por ele.

Se passávamos ali no Centro Cívico, ele nem falava mais e eu dizia “eu sei, o pai brincava aqui quando era criança, por que o vô trabalhava aqui perto”. Quando passávamos na Dr. Faivre, era a mesma coisa. “Paiê, a gente vai passar na frente do lugar que foi o seu primeiro emprego!”.


Andando por aí, consigo ver muita coisa que me lembra ele. Fico rindo quando isso acontece, acho que ele é um tremendo de um bobo se fixava essas coisas na cabeça da gente para não ser esquecido.
É uma bobeira sem tamanho, uma bobeira descabida, pois não é isso que não me deixa esquecê-lo. 

O que me faz lembrar do meu pai todos os dias é algo que vai além de qualquer avenida. 
É algo sem jeito de explicar: mais grandioso e mais encantador que TODAS as ruas dessa cidade juntas.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Como é que se diz eu te amo

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Esse final de semana resolvi encarar um medo.
Parece bobagem, mas eu tenho uma ligação tão profunda com as músicas da minha vida – desde as que eu cultivei quando criança até as que estou plantando agora – que elas sempre estão relacionadas com alguma coisa, com um lugar ou com um alguém. Então elas são ferramentas para mim. Às vezes do bem e às vezes do mal.
É... as músicas da minha vida têm o poder de me fazer bem e o poder de me fazer mal. Eu uso essas ferramentas quando quero me aproximar de algo, só que muitas vezes elas aparecem do nada e me levam aonde eu não quero ir. Elas me usam!
Eu divago sobre isso agora, essa relação com as músicas - pois só agora essa relação me é bem clara. 
Há uns dois anos, conversando sobre isso, alguém me observando disse sabiamente que eu deixava as músicas guiarem e modificarem meu estado de espírito. É uma observação bem simples, mas fez uma diferença e tanto. Presto mais atenção nisso e não caio mais nesta armadilha.
Ainda assim, como eu disse, as músicas também me usam, e tem dias que não dá para evitar. No último sábado aconteceu esse abuso de mim.
Eu tenho essa mania de dedicar muitas horas do meu final de semana para deitar e fazer nada, nem dormir, só ouvir música no escuro e sentir. Primeiro eu escolho onde quero ir e depois escolho, de acordo com o lugar, a trilha sonora.
Esses dias escolhi estar no apartamento que morei em San Diego e coloquei o “Films About Ghosts” do Counting Crows. Era o álbum que eu escutava sem parar na época. Foi tão singular que eu até consegui sentir o cheiro do ar de San Diego, aquele ar de praia que eu sentia da janela do apartamento. Eu me senti tão lá, que abri a janela do meu quarto aqui em Curitiba e ri alto sozinha por me dar conta, mais uma vez, que posso fazer tudo, ser tudo, ir aonde quero, quando quero. Que riqueza: a música como forma de liberdade!
Fiquei vagando ali pela Califórnia por uma hora e pouco até o CD acabar e eu escolher para qual outro lugar queria ir.
Tem dias que eu só preciso me internalizar, ou seja, ir para dentro de mim mesma. Geralmente quando sinto essa necessidade, escuto o “Hopes and Fears” do Keane, que é um álbum que se tornou meu grande amigo em 2006. Hoje, mantemos uma amizade menos sofrida porém forte e fiel. 
Algumas músicas têm a capacidade de dialogar comigo, de me fazer voltar no passado e me mostrar como eu me sentia naquela época, despertando o que eu pensava quando ouvia. É bem bacana essa coisa de conseguir voltar no tempo e ver como era a minha vida, no que eu focava, quais eram meus princípios.
Isso me faz tão feliz, essa viagem que a música me proporciona pois, afinal, quando me vejo lá no passado tristonha ou mal amada por mim mesma, tenho tanto amor por mim. Então aperto um fast-forward e venho aqui para o presente, me olho e fico contente em ver a evolução, não descartando que todo o meu passado fazia parte do processo para chegar aqui hoje e me ver em uma versão melhorada.
Voltando a falar sobre o que me trouxe aqui: o medo.
Eu tenho medo de escutar Legião Urbana. É uma tormenta para mim, um pesadelo.
Eu já tentei enfrentar esse medo com mais pessoas a minha volta pois assim sei que não irei me descontrolar. Fiz isso na casa da minha avó com meu tio algumas vezes e fiz isso uma vez na praia.
No último sábado, eu escolhi um álbum para tocar e me deitei. Eu acabei adormecendo e quando acordei estava tocando o famoso “Mais do Mesmo”.
Eu decidi encarar. Fiquei deitada, só prestando atenção em como eu me sentia.
Todo esse medo que eu tenho das melodias, letras, e da voz do Renato Russo se dá por que me remetem a dias insuportavelmente felizes que eu vivi e ao mesmo tempo aos meus piores dias possíveis.
Eu costumava escutar com o meu primeiro amor. Aliás, aprendi a gostar de Legião Urbana com essa pessoa, exatamente num feriado muito feliz de Sete de setembro, na casa de praia da minha família, quando eu tinha apenas 15 aninhos.
Sábado passado quando escutei “Metal Contra as Nuvens”, eu cantarolei a letra toda e lembrei que a decorei naquele feriado. Essa simples lembrança me fez pensar em várias coisas significantes e reveladoras. Primeiro que eu decorei para impressionar alguém. Com isso eu recordei quem eu era naquele ano e nem sabia, nunca pensei nisso, afinal eu era tão feliz. Eu era uma menina feliz mesmo, mas externamente e não internamente. Eu fazia coisas para impressionar os outros, de uma forma inocente, claro, mas fazia. Eu não tinha segurança de quem eu era e tinha uma necessidade imensa de ser aceita. Que triste menina feliz eu era!
Mais lembranças surgiram e me levaram lá para aquela casa de praia, naquele feriado. Outras me trouxeram para um passado próximo como “Vinte e Nove”, que eu ouvi muito ano passado (2009), enquanto eu sofria várias perdas simultaneamente. “Vinte e Nove” se tornou então um grito de guerra secreto. Um grito que me dizia que aquilo tudo ia passar, que aos poucos vinte nove anjos me saudariam e eu teria vinte e nove amigos outra vez.
Lembrando do ano passado, percebi o quanto nenhuma tristeza é sem fim, de como se consegue reerguer dos cinzas mais escuros mil vezes, mesmo quando acha que vai ser insuportável, inatingível e interminável.
Sei lá que mensagem eu quero passar, talvez só dizer que enfrentar um medo, pode abrir portas mesmo. Esse meu medo, por mais bobo e simples que pareça, não deixa de ser um medo que me abriu portas para me amar mais.
Foi escutando “Como é que se diz eu te amo” que eu aprendi que “eu te amo” se diz para dentro. Aprendi isso ao sentir compaixão por aquela menina de 15 anos que achava que tinha a vida mais perfeita do mundo inteiro. Senti também compaixão pela moça que tinha que trabalhar e estudar, ter tempo para a família, resolver mil coisas e fugia às seis horas da manhã para o Jardim Botânico para caminhar, chorar a saudade do pai e escutar seu grito de guerra secreto.
Dizem por aí que todo medo que enfrentamos nos dá um pouco mais de liberdade, e que é um peso que tiramos dos ombros. Desse meu medo posso dizer que não só me libertou como também me ensinou muito sobre as muitas pessoas que eu já fui, fazendo com que eu transbordasse de amor por mim.
Amei essa menina e essa moça como nunca antes e, só isso – deixando de lado a coisa da liberdade e das descobertas – só isso já é gratificante.


Ressignificando nossas relações

Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou. Não te amei, mas tentei. E eis que, por fim, surge algum tipo de amor. Não to...