quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre extraterrestres e torniquetes

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 Pedaços soltos de música, trechos perdidos num texto no meio de um livro, uma cena de filme, um recado de um amigo. Vim de encontro com todas essas coisas ontem. Aliás, sempre estou no meio de tudo isso - música, texto, filme, amigos. Mas ontem em especial, essas coisas estavam todas interligadas, como se me pedissem para fazer algo por elas.
Eu nem sabia o que poderia fazer, não via como escrever sobre todas elas ao mesmo tempo, apesar de ver um laço entre elas, não saberia explicar tal conexão, talvez porque, na verdade, eu não via, só sentia, e às vezes é difícil explicar o que se sente.
Quando acontece algo assim, e me vejo impotente - com tanta coisa na mão sem saber o que fazer de tudo isso - guardo em meus rascunhos, não serve para muito, mas ao menos eu me sinto em paz, sinto como se não estivesse a ignorar nada que o mundo me sugere.
Eu joguei tudo o que me surgiu no papel, sublinhei o que me era mais chamativo, uma frase ou uma palavra e fui salvar nos meus rascunhos, salvar para me deparar com aquilo tudo, sem querer, uma outra vez.
Depois de transformar pedaços de coisas em rascunho, escutei uma música que tocava aleatoriamente e dei risada ao sentir que ela também se conectava. Pouco mais tarde recebi o recado de um amigo que falava sobre uma música que também encaixava.
Oras, pensei comigo - aquilo não era grande coisa, eram músicas que falam sobre o amor, ou melhor, sobre a falta dele. Sendo assim, é mais do que possível nos deparar com isso o dia todo, toda hora.
Ainda assim, escrevo aqui. Faço isso com o que há de mais genuíno em mim, pois escrevo sem saber onde vou parar e o faço para não ignorar tantas coincidências bobas, já que eu gosto de destrinchar bobagens.
Então, voltando a falar sobre a falta do amor ou o seu avesso... O que seria o avesso do amor?... O desamor?
Procurei nos dicionários da internet para ter a certeza do que “desamor” quer dizer, e encontrei isso: Carência de amor; desafeição; desprezo; crueldade. Que engraçada a ordem que organizaram as palavras, parece que foram selecionadas e colocadas em ordem crescente de falta de amor, onde o menor nível é uma carência, um nível médio é a desafeição, um nível mais avançado o desprezo, e o pior de todos os níveis a crueldade.
Pois bem, é bem isso que todas essas coisas me gritavam:

“Peço a Deus que aumente a minha fé, peço tão ardentemente, é a depressão?
E esta dor não localizável, outra gripe?
Por pudor não me jogo no chão nem arranco os cabelos que já estão ralos na cabeça dolorida, mas onde está aquele bom invasor (o extraterrestre) que vai ensinar a desatarraxar a cabeça latejante para dependurá-la com delicadeza no cabide?”

            Ah, que dilema! Quantos e quantos vivem a esperar o ET (extraterrestre) de quem Lygia Fagundes Telles nos fala?
            Mostrando esse trecho a uma - grandeeee - amiga, eu disse que era uma epidemia essa coisa da falta do bom invasor, e ela rebateu me dizendo ser pandemia. Mas eu penso nisso com uma diferenciação, penso que tem muita gente desesperada para não ficar sozinha, muita gente sem foco, sem direção, que nem sabe o que quer, só sabe que quer alguém. Nesse boom de desespero, qualquer um serve.
            Escutei ontem em um debate a expressão “terceirização da felicidade”, e acho que posso utilizá-la bem aqui. Pessoas desesperadas, que não sabem ser feliz e querem deixar que alguém os faça por elas. “Toma aqui minha felicidade, sua responsabilidade agora”. É triste, mas é bem assim que acontece.
            Concordo com minha amiga então: há uma pandemia de desamor. Mas eu queria falar do outro lado do muro, do lado de quem não quer terceirizar nada, só somar e dividir sem fins lucrativos.
            Estou rodeada de gente cheia de amor, filhos amados, amigos amados, profissionais amados, mas “a minha gente” tem um vazio, um desamor, que é causado pela falta do extraterrestre.
            Para essas pessoas é bem mais difícil do que para o “clube dos desesperados” de se relacionar, eles sabem o que querem, eles podem não saber exatamente que tipo de ET querem – eles têm uma ideia, mas estão abertos a surpresas – porém sabem o que querem de um relacionamento.
            E aí, mora um perigo para quem tem um mundo cheio de segurança. É perigoso por que eu acho muitíssimo complicado largar a segurança do seu mundo por amor, acho que é necessário correr riscos, às vezes até é preciso, mas que é complicado é! E eu sou a última pessoa a julgar quem tem medo de se envolver.
Eu não vou falar sobre todas as coisas que me ocorreram e me fizeram pensar nisso, mas eu achei muito ilustrativa a cena de um filme que vi. Não vou dizer absolutamente nada sobre o filme em geral, apenas sobre uma situação que leva a última cena - que é perfeita, pura, linda.
Descrição básica do fato: - uma moça escuta música alta em seu apartamento. Alguém chama a polícia. O policial se encanta por ela e a leva para jantar. Ela propõe um trato: pede que eles falem a verdade, que sejam eles mesmos, que não finjam ser quem não são como provavelmente já fizeram antes, e ele aceita o trato. Num lapso ela vai embora. Vai embora dizendo que ela é isso e aquilo e que ele não vai gostar de como ela é.
E então na última cena o policial diz:

“Eu só queria vir aqui / vir aqui e dizer uma coisa / dizer uma coisa importante / uma coisa que você disse. / você disse que nós deveríamos dizer as coisas e fazer as coisas / não mentir, não esconder essas coisas que separam as pessoas. / Bem, eu vou fazer isso, eu vou fazer o que você disse / Eu não vou deixar isso passar / eu não posso te deixar / Agora você, você me escute agora / Você é uma pessoa boa / Você é uma pessoa boa e bonita / E eu não vou deixar você ir embora / e eu não vou deixar você dizer essas coisas / Essas coisas sobre o quão imbecil você é, e isso e aquilo / eu não vou admitir isso / se você quer ficar comigo / então fique comigo, entende?/

            Misturada com a voz do policial, uma canção toca ao fundo, fazendo um contraste íntimo com a situação:

“Você parece um encaixe perfeito, para uma garota que precisa de um torniquete. Mas você pode me salvar? Venha e me salve. Se você puder, me salve da classe dos esquisitos que suspeitam que nunca poderão amar alguém”

Eu não sei o quanto preciso discorrer sobre tudo isso aqui... na verdade só queria compartilhar um mundo, não dos desesperados por qualquer um, mas dos carentes de um ET. A moça do filme me parece alguém assim ao demonstrar como pode ser a reação de alguém que espera o ET. Ela tentou abrir o jogo, mostrar que não tem paciência para os famosos joguinhos do amor, mostrar que se é para ser, que já fique claro seu jeito de ser, porque ela não está desesperada por qualquer pessoa a ponto de fingir ser quem não é.
Da música, a palavra torniquete encaixa tão perfeitamente: uma tira de pano ou outro material que sirva para amarrar alguma parte do corpo, tentando assim controlar alguma hemorragia.
Outra música da trilha sonora do mesmo filme diz o seguinte: “eu sou apenas um problema para você resolver” e “não me escolha, pois qualquer gesto de carinho pode ser mortal”. Eu escuto isso e vejo pessoas como a moça do filme alertando os ET’s que surgem no caminho, alertando dos defeitos e também da carência, já que dependendo do nível de demonstrações de afeto pode ser mortal. Penso então, quem em sã consciência faz propaganda negativa de si mesmo diante do bom invasor?
Na verdade, pessoas como a moça do filme não estão falando mal de si ou alertando o quão problemáticas podem ser, elas só querem - inutilmente - se precaver de que fizeram o possível para não amarrar à toa um pano em cima da hemorragia, por que depois de amarrado o torniquete, é difícil soltar e quando solta dói e quando dói, você que quando aceitou o ET e estava em um estágio de desamor ajustado apenas na carência, pode se encontrar nos piores estágios do desprezo e da crueldade. Mesmo analisando tudo isso, eu não acho que se deva desperdiçar uma surpresa, uma chegada por medo de sangrar ainda mais, o poeta Fernando Pessoa já dizia que tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.



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