terça-feira, 26 de outubro de 2010

O que é motiva os outros a viverem?

Quando eu era pequena meu pai sempre apontava e nos pedia para observar bem os outros. Os desabrigados, os órfãos, enfermos ou qualquer pessoa que ele julgasse estar em uma situação realmente triste. Polida como sempre fui, obedecia e observava. Não sei se por isto, mas sempre tive um interesse abundante pela vida alheia. Não pelo que está em torno, por fora e aparente. Mas sim pelo interno. Minha curiosidade instigante não quer saber idade, estado civil e profissão. Quer saber o que emociona intimamente. O que motiva, o que move, o que movimenta. Nem posso dizer que é um entretenimento por mim escolhido, pois imaginar como cada um vive é um processo natural para mim. Um processo que me envolve desde sempre.
Podem me taxar de louca, mas agora que trabalho perto de casa, e não preciso mais usar transporte coletivo diariamente, sinto falta. O ônibus sempre foi um espaço para olhar olhos e enxergar além. É quase uma vida, só que ao invés de estarmos presos entre o nascer e o morrer, estamos presos entre um embarque e um desembarque. E, como tudo na vida, temos que aproveitar da melhor forma. Alguns leem, alguns ouvem música, alguns falam ao telefone, outros conversam com alguém, ou às vezes falam sozinhos. Eu faço alguma dessas coisas enquanto observo vidas e questiono existências.
Quando eu tinha 12 anos ficava penalizada ao observar velhinhos cansados voltando do trabalho. Sentia compaixão por esses e certo alívio por mim. Minha vida parecia sempre tão melhor, e eu me torturava a entender o que é que os movia apesar de tantos pesares. Aliás, essa é a pergunta que me move até hoje: o que é que motiva os outros a viverem?
Anos depois, quando entendi as mazelas sociais do mundo e percebi que a vida ia além dos meus laços de relacionamento, e do meu mundinho, enxerguei aqueles mesmos senhorios velhinhos com outros olhos. Pensava então que poderia ser meu avô. Eu já não era mais tão feliz, me sentia parte integrante de um mundo injusto. Eu não me confortava ao saber que não era meu avô ali. E nem só por saber que num futuro não muito distante poderia ser minha outra geração. Meu jeito de olhar sempre se modifica na proporção em que mudo. Uma coisa liga a outra. O que esta lá dentro de mim reflete no que está fora, no modo como vejo o outro, como trato o outro. Assim como o outro - que está fora - se propaga para minha alma.
Recordo agora que quando comecei meu primeiro estágio, aos 15 anos, estava voltando para casa e escutei a conversa de uma moça ao telefone. Era uma sexta-feira. Os finais de tarde eram os que mais me reviravam de angústia. Sempre tive para quem e para onde voltar e, mais que isso, sabia que era sempre bem vinda de volta. A vida alheia não me parecia assim, cheia de retornos e esperas alegres...
A moça daquela sexta-feira falava ao telefone com um alguém. Era o final de semana do dia dos pais, e ela choramingava, parecia implorar algo. Ela mexia a cabeça para falar, para um lado e para o outro, em um gesto de lamento, quase que consolando-se nos próprios ombros, um de cada vez. Os olhos eram tristes, porém esperançosos. O peito e a respiração dela demonstravam-me que ela queria algo quase impossível de se conseguir, mas que existia um fio de esperança. Eu sabia disso, porque minha respiração ficava assim quando me negavam algo mil vezes. Mesmo quando eu sabia que era caso perdido, minha esperança, mesmo que pequena, existia.
... Existia porque tudo o que é pequeno existe. Mesmo que com pouca chance. Mesmo que com menor perspectiva. Assim me foram os idosos e a moça do ônibus. Eles e tantos outros personagens em meu caminho têm um significado para mim. Me existem, me constroem, me movem.
            São essas pessoas, esses outros, que nos montam, que nos igualam. Pois de fato, somos iguais. Não temos as mesmas pobrezas na superfície, mas nas nossas profundezas as misérias são iguais. Cada um de nós: tão singular e tão coletivo ao mesmo tempo. Todos tentando viver... Escrevi aqui sobre viver. Disse que para viver é necessário voltar-se para dentro, se questionar, se gostar, e ficar à vontade com o ato de ser-só e só-ser. Já falei muito disso aqui, pois acredito que este ato de se amar é o mais divino em uma escala de divindades. Mas este ato anda junto e de mãos dadas com o ato de olhar para o outro. Para mim, a coexistência destes dois atos é o que torna um viver realmente humano e com valimento.
            No ano passado, em uma determinada situação, enquanto eu julgava alguém - por algo que, normalmente todos consideramos errado, minha mãe me disse: “Não julgue assim, pois você não sabe o que a pessoa já passou. A gente nunca sabe que tipos de experiências e atenção tal pessoa recebeu na vida”. Ela disse isso e, sem saber, marcou ainda mais em mim a lição mais valiosa que alguém pode ter na vida, que é ser empático. Empatia é a capacidade de perceber de que modo uma pessoa pensa e sente
             A mesma coisa aconteceu este ano. Ao reclamar do jeito de ser de minha avó, meu pai me pediu para refletir na vida judiada que ela teve. Morri de dó de mim mesma ao perceber o quão automático nosso olhar sobre o outro se torna, mesmo com nossas pessoas mais próximas, um só julgar, sem um olhar mais atento, pode acontecer com frequência.
            É claro que o fato de alguém ter passado por isso ou aquilo não justifica certas atitudes ou fatos. Mas justifica que tenhamos um olhar de compaixão e empatia sempre. Ao menos é no que acredito. Pois só acredito em uma vida válida quando repleta de sentimentos como esses, advindos do amor. Amor abundante: a si mesmo, e ao próximo.
Nos sentimos humanos quando percebemos que somos tão carentes quanto qualquer outro mortal e quando conseguimos enxergar a carência de qualquer outro, bem como sua miséria e nossa miséria. Porque sentir-se humano é mesmo um sentimento miserável, mas ao mesmo tempo grandioso.
Só exercemos nossa humanidade quando conseguimos viver de olhos abertos para as indigências dos outros e do mundo e, ainda assim, conseguimos viver  e seguir com alegria, mas sem fechar os olhos.

***
Ontem recebi meu diploma de bacharel em comunicação social. Na cerimônia de colação o reitor falou algo muito parecido com tudo o que eu escrevi acima. Fez um discurso sobre a filosofia da instituição no qual disse que o papel desta é formar indivíduos que apesar de serem indivíduos exerçam suas funções de cidadãos. Fazemos um juramento de praxe ao colar grau, onde garantimos que vamos utilizar nossos conhecimentos em prol da pátria. Acho esse juramento muito assertivo, principalmente vivendo em um país em que as pessoas com nível superior são a minoria. De minha parte, prometo exercer minha profissão da forma mais digna e humana possível, em benefício da pátria. Acho que todos nós devemos fazer isso dentro da área que nos cabe...
Não dediquei meu diploma à ninguém ontem, mas aproveito para o fazer agora, nessa forma que me sinto mais à vontade: na escrita. Dedico meu diploma àqueles que me ensinaram a filosofia da qual o reitor falou ontem, muito antes de eu ingressar na universidade. Dedico então, às duas pessoas que sempre me fizeram abrir os olhos e ver que não sou só um ser individual, sou cidadã. Dedico enfim, aos meus pais, Magno e Rosana. Seria mentira dizer que me ensinaram tudo o que hoje sei, mas com certeza me ensinaram mais: me ensinaram a ter vontade de saber.
Pai, mãe, esse é pra vocês!

sábado, 16 de outubro de 2010

Terremoto em escassez



Li esses tempos um poema do Mario Quintana que me fez suspirar, que me entendeu! Poemas são assim mesmo, gritam algo que há em nós! Gritam tão alto quanto os nossos sentimentos mais profundos, no mesmo tom, quase uma resposta para a alma. E a calmaria que um poema traz, vem da identificação que algo dentro da gente faz com os versos. Algo dentro da gente se sente em paz com a poesia que grita o mesmo grito, que fala a mesma língua.

CONFISSÃO
Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

O que faz este poema me ecoar é essa coisa do terremoto na alma. Pois percebo que, apesar dessa coisa da paz interior ter virado clichê e estar na boca do povo, estar em paz parece anomalia! O que mais existe por aí é um povo com carência de um chacoalhão que estremeça a alma, ou ainda: gente que busca fora de si – e somente fora de si - por esses tremores.  E aí, até não ter programação de final de semana parece com a triste “paz de uma cidade bombardeada” ou de um cemitério. Por isso concordo tanto com a confissão de Mario Quintana. Oras, ter coisas exteriores acontecendo de nada vale se não vivemos aventuras interiores todos os dias. De nada vale se nossa vida interna não for agitada. De nada vale se não for um desespero, um susto, uma descoberta, uma sintonia. De que adianta esperar ser movimentado por um exterior, se não tivermos um verdadeiro terremoto dentro da alma? Um furioso tremor que não se contenta em viver de uma maneira morna, não se contenta com o mais ou menos, com a comodidade da falta de questionamentos próprios. E no final, os acontecimentos internos é que refletem lá fora. O exterior nada mais é que um reflexo do interior, e não o contrário!
Tenho me sentido tão down! Morna. Logo eu, que me irrito com pessoas que levam a vida de uma forma mais ou menos. (Sem querer abusar do Quintana, mas já abusando..) “Sinto-me assim, sem motivo algum, como alguém que estivesse comendo uma empada de camarão sem camarões, num velório sem defunto”. Foi isso o que senti: um vazio tremendo, uma vertigem, uma sensação de não pertencer a lugar algum. Me senti a própria empada de camarão sem camarões! Logo eu, que acho tediosas as pessoas que vivem reclamando de tédio. Diz lá no dicionário: “estado de desinteresse ou de falta de energia, como reação a estímulos percebidos como monótonos, repetitivos ou tediosos. Ocorre pela falta de coisas interessantes para se olhar, ouvir, perceber etc., ou para fazer (física ou intelectualmente), quando não se deseja estar sem fazer nada”.
Vivemos numa sociedade de informação, onde ficar entediado não tem mais espaço. Com a internet, temos diversas opções para nos livrar desse mal (amém!). Vídeos, blogs, jornais. É tanta coisa para se consumir todos os dias, que nem há tempo suficiente. Tanta informação de qualidade, que dá vontade de ter duas vidas! Quem não gosta de computador, tecnologia, ou sei lá – mesmo que seja para se informar e se entreter - tem por aí, bibliotecas, sebos, museus e etc. para todos os gostos e bolsos. Não tem desculpa mesmo! Só a arte já é uma forma de prazer sem fim, e ainda assim - por mais absurdo que isso pareça – uma grande massa não a usufrui.
Fora isso - da arte que hoje é de tão fácil acesso, e nos ocupa o tempo causando satisfação - temos nossa imaginação e o nosso sonhar acordado. Por isso, se sentir entediado, se sentir mais ou menos e morno, com nada que nos alegre, vez ou outra pode ser normal, e até faz bem para dar contraste na vida - já que até uma vida mil por cento todo dia só é reconhecida por ter dias com a porcentagem zerada. Mas se o tédio é um sintoma presente com freqüência é sinal que a relação consigo mesmo não tem sido das melhores.
Foi do que me dei conta está semana. Nem a internet, a arte, e minha imaginação me livraram de um baita aborrecimento – que é sinônimo do tédio. Fiquei inquieta, e cheguei a essa conclusão: “só posso ter perdido a conexão comigo mesma”.
Hoje, quase tudo voltou ao normal. Tive uns dias estranhos e opacos, normal e humana que sou. Mas e quem tem uma vida repleta de dias mais ou menos, de dias vazios? Acho que tédio nada mais é do que uma seqüência de dias mornos, dias à espera de fatos externos, dias à procura de uma felicidade e de emoções que emanem do outro, que venham de fora, quando na verdade, estão dentro da gente.
Nossa alma é um paraíso pouco explorado, um paraíso descartado, pouco observado. Nossas maiores aventuras vêm de dentro, do que faz nosso coração borbulhar, do que faz pensarmos em tudo o que queremos fazer, do que faz ter sede de vida, e nos dá vontade de sair gritando e pulando, vontade de conquistar o mundo. Essa incessante e desesperadora procura, e a sede de descoberta e novidades que temos é devida! O erro está no lugar onde essa busca ocorre, porque – mais uma vez - é dentro, e não fora que precisamos tratar. Quem não trata dentro, pode escalar o Everest, visitar o Machu Picchu ou vivenciar qualquer incrível aventura e, ainda assim, nada descobrir, nada compreender, nada sentir.

Ressignificando nossas relações

Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou. Não te amei, mas tentei. E eis que, por fim, surge algum tipo de amor. Não to...