quarta-feira, 4 de maio de 2011

Morrer em vida para, enfim, morrer

Te sei. Em vida
Provei teu gosto.
Perdas, partidas 
Memória, pó. Com a boca viva provei
Teu gosto, teu sumo grosso. 
Em vida, morte, te sei.
[Hilda Hilst]


Ando pensando na morte. Provavelmente por ver uma das minhas pessoas tão próxima dela. E também por refletir tanto sobre a vida. O pensamento de viver anda junto com o de morrer, inevitalmente.

Semana passada, enquanto voltava de viagem de Foz do Iguaçu, pensei sobre outra coisa. É que, encarar a estrada, ir ou voltar, sempre me arranca lágrimas. É sempre a sensação de que algo acabou ou começou. Pensei sobre isto então: as ausências com as quais convivemos.

No ônibus, voltando de Foz, comecei pensando no quanto é chato conviver com a saudade que sinto do meu pai. Essa foi a sétima vez nos últimos três anos que o visitei. Meus pais se separaram, meu pai mudou-se para Foz, construiu casa e família nova. Ele vem me visitar sempre que pode. Eu o visito sempre que o nó na garganta me sufoca, mesmo quando não posso... 

Aí pensei nas viagens que fiz e nas cicatrizes que me deixaram. “Viajar é viver temporariamente uma coisa que não volta nunca mais”, pensei. Ah, que tolice... Como se qualquer outra coisa voltasse... É que, na “vida normal”, não temos a plena consciência de que tudo é fase e temporário e perecível, em uma viagem sim. Acho que, em geral, conseguimos viver com mais intensidade quando viajamos, por conta desta falsa impressão. É a mesma analogia da morte. Sabemos, mas não vivemos pensando nela. Vamos levando até sermos levados por ela. No entanto, se uma grave doença chega o fato de que a vida é temporária - como se algum dia não fosse, fica então muito claro.

“I live in cemetery”

A primeira grande ausência de que me lembrei foi a de duas grandes amigas conterrâneas de Neruda. Acho que foi uma das mais marcantes, pois, verdadeiramente, elas foram minhas primeiras amigas na vida (e isso aconteceu há apenas quatro anos). 

Cresci no meio de dois irmãos que faziam aquelas maldades saudáveis - das quais só os irmãos entendem e, nem com eles, eu me entendia. Os dois se entendiam bem. Sempre tive essa dificuldade de inserção, começando por aí. Nunca fiz parte de grupos, nunca tive amigas dormindo em casa ou vice-versa, sempre fui mais isolada. Sozinha no recreio da escola, ou me balançando e cantando numa rede, sempre sozinha. 

Até os 21 tive colegas, fases até que legais e tentativas inúteis de inserção. Mas nunca tive amigos. Quero dizer: nunca tive o que só hoje tenho certeza do que é uma relação de amizade. Então, a primeira vez que me percebi em uma amizade - com tudo o que isso significa, foi com elas. E foi lindo. Algo que nunca experimentei antes, sintonias e trocas e crescimento.

Isso me marcou para sempre por que as primeiras pessoas com quem experimentei isso eram pessoas que, muito provavelmente, eu não iria compartilhar um futuro. E essas coisas são bonitas mesmo, porque você vai vivendo e a relação vai crescendo e ficando forte, até que chega um momento em que você simplesmente faz parte do mundo daquela pessoa e ela do seu. Quando esse momento chegou, falamos do quão triste era pensar que, após o término da temporada, não iríamos mais conviver. Elas me cantaram: “All I wanna do is have some fun” e eu perguntei completando: “until the Sun comes up on Santa Monica Boulevard?”

Era assim: tudo meio musicado. No dia em que nos conhecemos, fomos caminhar na cidade, não lembro em direção ao que caminhávamos, talvez a um supermercado, não sei e nem importa. O caminho é que importa (isso sempre!). Passamos em frente de um cemitério, nos olhamos e começamos a cantar juntas “I live in cemetery”. Essas sintonias sempre me fascinam! Parece um sinal de que estamos nas relações certas.

Elas me visitaram seis meses após nos despedirmos em Utah. E eu as visitei um ano depois que nos despedimos no Brasil (ai, essas despedidas!). Já se passaram dois anos desde que voltei do Chile. Ainda nos falamos, só que o tempo – mais que a própria distância - espaça tudo. E tentar lutar contra o tempo é vão e artificial. 

Como na música que marcou o dia em que conheci duas das minhas grandes ausências - é como se vivêssemos em um cemitério. Vivemos para sermos enterrados em vida sucessivas vezes.

“We put our feet Just where they had, had to go”

Bom se eu fosse a única, mas sou uma em cada tanto de gente que morre assim. Morremos um pouco, dia sim, dia não. Deixamos pedaços espalhados em cidades, momentos e gentes. E, todos esses pedaços, todas essas vidas que deixamos, são bonitas, intensas e, por isso mesmo, sentimos saudades e dói um tanto. Cada cidade e cada pessoa e cada circunstância, de algum modo, nos transforma, junta o velho com o novo e cria alguém que nunca fomos antes e nunca mais seremos depois. Mas, cedo ou tarde, temos que abandonar este alguém tão excepcional, ou para voltar à “vida normal” de todo dia, ou para partir para outro lugar e criar mais um alguém. Seja como for, estamos sempre deixando para trás um pedaço ou outro de nós. É tão inevitável quanto essencial.

Ouvindo The Gulag Orkestar, em uma frase belamente cantada, entendi algo. “Colocamos nossos pés onde eles tinham que ir”, dizia a música. É o que todos nós fazemos. Vamos para onde temos que ir, para onde sentimos que é mais certo. Damos grandes passos que vêm acompanhados de escolhas. Mesmo com duas ou três opções que gostaríamos de manter, a vida nos obriga, até por que não existe outra maneira, nos obriga a fazer uma escolha em detrimento de outra. E, apesar de cada passo adiante significar a nossa escolha pela vida que queremos, estes passos também significam o distanciamento de outras vidas que também queremos, mas que, por só poder viver uma vida, não podemos ter.

Tudo isso seria mais fácil se fossemos mais livres de apegos. Percebi a necessidade do desapego quando meus pais se separaram, quando terminei um relacionamento, quando minha avó faleceu. Sei que é difícil deixar que as coisas morram, simplesmente porque morremos junto, mas...

Essa semana, li algo bem reflexivo sobre isso: a entrevista que Eliane Brum fez com a psicóloga Debora Noal (recomendo que leiam mil vezes!!!) – Em uma de suas respostas, Debora diz sabiamente: “eu me levo para todo lugar, né? Eu não tenho como fugir. Eu estou junto comigo o tempo todo”. E é isso mesmo, tudo o que precisamos é o que podemos carregar. Por mais cru que isso soe, acredito ser bem verdadeiro. E procuro este caminho. Porém, ainda estou longe de ser uma pessoa desapegada.

Aprender a morrer

Quase parece que, até pararmos na frente da tevê e ver que alguém entrou com uma escola matando pessoas tão inocentes e saudáveis como eu e você, até então, parece que esquecemos que a vida é frágil. Parece que só teremos que nos deparar com tal fragilidade na velhice, pois assim é o normal. Assim é que deveria ser. Basta uma tragédia fora de hora para nos depararmos com uma cócega sobre a imprevisibilidade da vida.

Fiquei imaginando como seria uma possibilidade de morte real – não da morte em vida, chegando à mim agora. Pensei primeiro que seria uma injustiça. Eu confesso que não acredito em tudo, mas principalmente, eu não desacredito em nada. Penso que tudo pode ser. Amarguei pensando que posso dormir hoje e ser traída pelas minhas próprias células, coisa assim, tão natural. Como eu lidaria com um câncer me jogando na cara que talvez eu esteja com os dias contados? Primeiro, morro de medo. Depois, fico aliviada lembrando que, no final de tudo, a única coisa que importa é se a gente viveu com intensidade, com paixão e com tudo o que podia dentro do tempo que, sei lá quem ou quê (acho que a vida mesmo) nos permitiu viver. 

Li um livro do filósofo francês Luc Ferry que, dentre muitas coisas, fala que tudo o que buscamos é uma salvação. E a busca da salvação depende da crença de cada um. Para quem crê que a salvação depende de um ser superior, o caminho é seguir mandamentos, rezar e coisas afins. Quem crê em si mesmo e em sua própria vida (pessoas para as quais Ferry escreve), a salvação está em si mesmo e, nesse caso, o caminho é aprender a se salvar em vida, o que ele chama de aprender a morrer. Saber morrer em vida faz com que a verdadeira morte seja apenas mais uma morte dentre tantas que passamos em nosso percurso. Morrer com qualidade, utilizando o sofrimento como crescimento, alivia nossas perdas, deixando a vida mais leve e nos permite a capacidade de continuar, apesar de.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Amando nossa própria sombra

Se amamos o que projetamos, qual o papel do nosso par?

Você tem uma família maravilhosa, que está sempre presente e te ama, isso sem dúvidas! Você não tem muitos amigos, mas o suficiente para sentir que sua coleção está completa. E, ainda assim, com tudo isso, você guarda consigo uma carência específica. Acontece que num dia qualquer, num lugar qualquer, você conhece alguém. Alguém que transforma um dia e lugar ordinário em seu lugar e dia favorito. Vocês ficam juntos e tudo é simplesmente perfeito. Até mesmo as imperfeições se tornam assim... perfeitas. Você derruba sorvete de morango na roupa clara, e nem isso mancha o tempo. Vocês contornam o caos sem dificuldades. O tempo para, tudo para.

Depois disso tudo, de se sentir tão completo, você volta para casa com seu mundo chacoalhado e uma cratera na alma. Então pergunta a si mesmo o porquê, logo você que estava razoavelmente bem até então, logo você, de repente assim, está invadido de um desassossego imenso. Como pode a presença de alguém, um simples movimento de alguém, te deixar assim, com uma mortificação dessas?

Oras, ninguém tem tanto poder assim não. Somos nós, que inconscientemente damos tal poder a outrem... Existem várias explicações para isso. Todas elas tentam explicar o motivo pelo qual, durante as idas e vindas da vida, procuramos um par.

Para quem gosta de uma explicação espiritual, pode-se dizer que quando chegamos “neste plano” esquecemos de uma de nossas partes, por isso nossa eterna carência vem da saudade que sentimos de nossa própria alma, ou mais ou menos isso.

Tem também o mito do Andrógino, de Platão, que fala sobre seres que tinham os dois sexos e, por isso, eram completos, inteiros. Quando estes seres Andróginos começaram a agir como deuses, sentindo-se acima do bem e do mal, provocaram a fúria de Zeus, que decide por enfraquecê-los, dividindo-os em dois. Assim, os Andróginos divididos, passam a vida à procura de sua outra metade. -- Eu que nunca entendi como o Pink Floyd fez o The Dark Side of The Moon nos anos 70, fico pasma com a genialidade de mitos como estes – lembrando que foram descritos há mais de dois mil anos, como narrativas de caráter simbólico que eram a forma de expressar o entendimento da vida em geral naquele tempo.

Para quem precisa de algo mais consistente que isso, mais científico, vide o psicanalista Carl Jung. Para Jung, tudo se explica por uma simples palavra: “projeção”. Quem falou sobre isso primeiramente foi Freud, mas pelo que entendi, foi Jung quem dissecou o significado disso. Vou sintetizar as conclusões dele aqui.

Quando estamos no ventre da mãe, temos a sensação de que somos completos, plenos. Ao nascer, sofremos um corte físico, o do cordão umbilical. E, conforme vamos crescendo, vamos sofrendo uma espécie de corte psíquico que divide nossa mente em consciente e inconsciente. Por isso, crescemos com uma lembrança de que um dia já tivemos a sensação de onipotência, e não sossegaremos enquanto não a recuperarmos.

Identificamo-nos pela consciência. Tudo o que sabemos e acreditamos a nosso respeito faz parte de nossa consciência. Já, no inconsciente, há muito do que somos e não sabemos ou ignoramos. Toda a falta que sentimos na vida, toda nossa carência de ter outra pessoa conosco para nos sentirmos completos é, na verdade, a falta de elementos de uma parte nossa que está oculta: o inconsciente. Está é a razão, segundo Jung, de tentarmos encontrar outra pessoa: para projetar os elementos do nosso inconsciente. Achar que outra pessoa possui algo que nos falta é então um devaneio...
"Mas o amor é apenas uma ilusão. A história que alguém compõe mentalmente sobre outra pessoa”, já tentava explicar Virginia Woolf.

Então, parece que vivemos uma vida toda de relacionamentos imaginários que sobrevivem apoiados em nossa própria sombra. (Meio triste ou frustrante?) - Criamos uma história, compomos alguém mentalmente para conseguirmos enxergar neste alguém o que precisamos. Na maioria das vezes, esse objeto de amor nem tem mérito diante das qualidades que lhe damos e, quando possui alguma das qualidades que o atribuímos é em menor intensidade do que imaginamos.
No final das contas, tudo o que achamos sobre o outro é o que achamos sobre nós. Todo sentimento grandioso que nutrimos por alguém, na realidade, nutrimos por nós mesmos. Os amores platônicos tendem a ser tão bonitos por isso, pois quanto maior o espaço para projeções assim, quanto menos se conhece sobre o objeto do amor, mais espaço temos para rechear uma história, mais espaço para preencher a outra pessoa com o que precisamos para nos sentir completos, preenchendo este outro de uma parte nossa mesmo. Isso explica o porquê, quem supomos amar, parece exercer um poder gigante sobre nós: pois necessitamos de um mergulho profundo que nos ponha em contato com nossa parte mais funda e, com a partida desta pessoa, desta ilusão, estaríamos novamente na desesperadora superfície.                                                   

Eu imaginava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? (Caio Fernando Abreu)

Saber disso, ter esse entendimento, não nos torna livres de procurar. Saber que essa metade está dentro da gente, não destrói o desejo de querer procurar algo fora de nós. Ainda assim, entender sempre liberta e eu nem sei se conseguiria explicar o que essa liberdade significa, mas insisto que muito muda quando entendemos (e isso vale para tudo!).

Sendo assim, tendo tudo o que precisamos em nós mesmos, fico me perguntando qual é o papel do outro em nossa vida? Esse par que sempre buscamos, o que sinceramente queremos dele? Vai ver o caminho é ir buscando por nossa saudosa metade dentro da gente e ir deixando para o objeto de amor outro tipo de relação?! Talvez uma relação onde percebemos o outro como diferente de nós mesmos e, sendo assim, estabelecemos uma relação de amor mútuo, compartilhando as aflições que temos com nós mesmos e em nossas vidas... Será que é isso? Ou vai ver só queremos nos sentir aconchegados igual nos sentíamos no ventre materno. Aquela sensação primitiva de calor e acolhimento. É uma coisa bem mais instintiva que racional. “O eterno acalentar não destrói a ilusão” - Não existe entendimento capaz de acabar com o desejo por esse embalo do qual Virginia Woolf fala sabiamente. Quem sabe, tudo o que a gente quer do outro, é um cheiro reconhecível, um cantinho quente, um porto seguro... Não sei!


domingo, 13 de março de 2011

Por nada menos que “a coisa”




Relacionamentos, encontros, desencontros... 

Um dos meus poetas prediletos, Pablo Neruda, tem um livro de poesias em forma de perguntas. Cada verso é uma dúvida... Fiquei pensando que, escrever sobre o amor, deveria ser sempre assim, com o ponto de interrogação ao final (e não é?). Pois bem, esse foi o estopim para este texto: uma pergunta! É que, dia desses, uma amiga me cercou de perguntas e, na hora, as respostas que vieram em minha cabeça eram muitas e sem muita coerência. Antes de sair por aí fazendo afirmações das quais nem eu tinha certeza, vim organizar as ideias.

Acho que a questão se resume assim... se quando conhecemos alguém, que tem potencial para entrar em nossa vida, se, para que isso aconteça, tem de haver algo especial desde o começo? Aquilo que chamam de química. Aquilo que faz o coração disparar e a alma arrepiar-se quando se está perto. Muitas vezes nem é preciso estar perto, um simples pensamento pode trazer enjôos e palpitações. Então, afinal, estes sintomas são necessários desde sempre? Ou podem aparecer com o tempo? Existe uma regra para isso?

Lembro que quando terminei um relacionamento, uma das lições que aprendi é que ter toda essa coisa cósmica com alguém não adianta de nada se não tiver outras coisas, tais como afinidades e respeito.

Tem quem escolhe ingressar em um relacionamento somente por pura química, tem outros que decidem embarcar numa relação somente por ter achado um “bom partido” (seja lá o que isso significa). E tem quem une os dois. Assim como tem quem dispensa se não tiver os dois. Se existe um caminho certo, qual seria?

Comecei a observar a história de alguns relacionamentos e a questionar as pessoas ao meu redor sobre todos os relacionamentos que tiveram. A maioria já iniciou uma relação em ambos os casos, ou seja, com ou sem “a coisa” no começo.

Lembro que quando terminei um relacionamento, uma das lições que aprendi, é que ter toda essa coisa cósmica com alguém, não adianta de nada se não tiver outras coisas, tais como afinidades e respeito.

Uma das minhas fontes me ajudou a tirar uma conclusão disso tudo. Contou-me que por muito tempo tentou encontrar, incansavelmente, a tal da "pessoa certa”. Várias vezes se deparou com alguém que tinha chances de ser esta pessoa, mas, na falta da “coisa", ela deixou passar. Até que se cansou, e conheceu alguém potencial, porém sem sentir “a coisa”. Mesmo assim, decidiu apostar suas fichas. Parece que deu certo. Me contou que construíram um amor, uma história.

Acho então, que não existe um certo ou um errado, ou uma regra (conclusão previsível tratando-se de relacionamentos amorosos). Acho que tudo pode ser. Algumas pessoas - por carência ou cansaço, ou sei lá o que - resolvem sossegar o coração e ter um relacionamento, com ou sem “a coisa”. E têm outras pessoas que se recusam a aquietar-se enquanto não sentirem aquele frio na barriga.

Sinceramente eu não soube dizer para uma amiga se ela deveria ir em frente mesmo sem arrepio inicial, ou se ela deveria pular fora e só se envolver quando sentisse essa irradiação divina. Eu não sei da vida dos outros, não sei o que é essencial na vida de cada um e, por não achar que isso é algo que se aplica à todos, acho que foi bom nem opinar. Da minha vida eu sei! E, apesar de ter aprendido que de nada adianta sentir calafrios e irradiações especiais sem todo o resto, também, para minha vida, não adianta todo o resto se eu não sentir que meu universo se transforma por conta da existência de outro alguém. Cada um é cada um, mas eu não me aquietaria por nada menos que aquela coisa mágica me socando a espinha. Ainda que, como disse Caio Fernando Abreu, “depois venha o tempo do sal, não do mel”.

terça-feira, 8 de março de 2011

Palpites e outras coisas sobre o carnaval da Sapucaí

Amanheci para ver o tão esperado desfile da Beija-Flor. Como já imaginava, dizer que é tão esperado é algo que a mídia vem pregando na cobertura deste carnaval, e que o povo acaba seguindo.
A Beija-Flor fez um desfile bonito, trouxe uma proposta nova de ter um desfile mais simples, fantasias mais leves. E, para mim, comentar a participação do cantor Roberto Carlos poderia ter sido menos sensacionalista. Pode ser carnaval, mas o jornalismo não deveria entrar no oba-oba e perder o compromisso de noticiar com um tanto de imparcialidade.

Acho que a luz do dia prejudica um pouco o brilho de um desfile, mesmo assim não acho que a Beija-Flor seja candidata ao título este ano. E, se tem algo bacana que a Globo fez neste festerê todo foi uma votação de brincadeira por parte do público, que hoje cedo, terça-feira de carnaval, foi encerrada. Claro que os critérios de avaliação dos jurados são bem mais refinados que o do povo. Ainda assim, acho que a opinião unânime nos faz refletir. Para o povo, a Beija-Flor ficou em último lugar.
Foi bem engraçado e contrastante ver três repórteres passarem uma hora (duração do desfile da Beija) enaltecendo o - como eles mesmos repetiam - "rei" Roberto Carlos, sem economizar nos adjetivos. E então, logo ao final da cobertura, ver o resultado da votação de brincadeira com o público colocando a escola em último.

Acho essa coisa do carnaval carioca - por mais glamouroso e profissional que tenha se tornado, uma cultura popular riquíssima. Ter uma cobertura da rede Globo com essa proporção para um evento popular ligado a comunidade é um reconhecimento merecido, mas que não alcança o que essa festa tem de mais bonito, de mais brasileiro, mais comunitário. E a beleza é essa, no fim das contas: ver toda a perfeição de cores e brilhos e criatividade e saber que isso só é possível porque, por trás disso tudo tem milhares de mãos de uma comunidade apaixonada.

É uma pena que, em momento algum - nem este ano, nem em outros que venho observando, qualquer comentário pertinente tenha sido feito nesse sentido, ou em tantos outros sentidos interessantes que poderiam ser explorados. No lugar disso, os comentários eram vazios, sem conteúdo, sem informação, sem nada.

Sempre perguntando para quem quer que fosse "você está emocionado?", tendo em mãos a resposta mais previsível possível: a resposta que se queria ter.

Nem o "rei" escapou da pergunta ordinária. E, ainda mais previsível respondeu - como não poderia deixar de ser - "são tantas emoções". Eu queria era ver o Roberto Carlos falar de como foi conhecer a comunidade de Nilópolis, que é movimentada e cresceu tanto por conta do carnaval.

Cresci passando meus carnavais confinada na sala de uma casa de praia, com meu avô torcendo para Beija-flor. Então eu torcia com ele. Contudo, sempre tivemos uma quedinha pela Vila Isabel, acho que por conta da participação do Martinho da Vila, cantor e compositor que tanto gostamos.

Ano passado, em visita ao Rio de Janeiro, uma das coisas que queria fazer era ver uma quadra de escola de samba. Mesmo que não pudesse entrar. Minhas amigas cariocas me acharam doidinha, porque ninguém vai ao Rio para passear, por exemplo na Vila Isabel. Mas esse foi nosso destino numa tarde de novembro. Nilópolis era muito longe para eu conhecer, disseram elas, mas a Vila era ali, do ladinho da casa delas.

Caminhamos pela Vila, passando em frente aos seus botecos boêmios. Numa ponta a estátua de Noel Rosa e, ao longo da calçada, as partituras deste mesmo compositor.

Cheguei a frente da quadra da escola, era um dia de semana qualquer... Na portaria, perguntei se por acaso eu poderia dar uma olhadinha rápida na quadra. A quadra do Noel, do Martinho. "Claro que pode, aqui pode tudo mermão", foi a resposta que tive.

Não sabia que era assim, tão fácil e barato um privilégio desses. Difícil e caro acho que são características salvas para o Cristo Redentor e Pão de Açúcar que, a propósito, eu não cheguei a conhecer.

A quadra estava vazia e eu cheia. Embasbacada: tudo ali dentro me deslumbrava...
De repente, alguém me chama: "Tu não é daqui não, é?". "Sou não", disse eu, ainda sem conseguir conversar com ninguém, ainda olhando para cima e para os lados.

Quem me chamou foi o Marquinhos, líder da bateria da Vila. Conversei com ele, contei do quanto me era raro estar ali. Ele me chamou pra desfilar na ala da comunidade, mas eu precisaria ir todas as quartas dali em diante aos desfiles e, infelizmente, eu não tinha condições. Me levou para conhecer todo mundo da Vila, intérpretes, mestre-sala, compositor. Todo mundo.

Para minha sorte, ainda naquela semana, teria uma festa de coroação da madrinha de bateria deles, a Sabrina Sato, ex-BBB e atual "repórter" do Pânico na TV. Digo sorte pois pude prestigiar uma festa da comunidade. Conheci os bastidores da festa. Eu e minha amigas cariocas fomos tratadas como convidadas vips ali. E digo vip no melhor dos sentidos. Dentre as nossas regalias destaco ouvir os carnavalescos, moradores de algum morro ali perto, falar sobre a vida no morro, sobre a nova política de segurança dos morros e, como não poderia deixar de ser, falaram sobre o desfile. Outra vantagem foi poder andar no meio da bateria - em ação - da Vila. Ali, no meio do batuque, da vibração, dos sorrisos escancarados, consegui tocar fatias do que fica enclausurado e omitido na Sapucaí.

Me lembro do Pepê, intérprete da Vila Isabel, falar com paixão, como quem dói, como quem expressa-se da forma mais sincera: "No dia do desfile, a gente esquece de tudo. Das contas, dos problemas. É como se a vida valesse a pena por apenas um dia no ano".

Uma vida toda feita da espera de um dia do ano. Uma vida a vigília de, pontualmente, um hora e vinte e dois minutos tirados de um ano.

Sempre assisti aos desfiles, desde pequena, pensando que algo muito grandioso se escondia por trás daquele único dia na Sapucaí. Aquela tarde, na quadra da Vila.

Na desesperança de - após tantos anos - ver uma cobertura que alcance tudo o que isso realmente implica, uma cobertura mais plena deste evento - quem sabe, algum dia, consiga fazer mais do que vir aqui e criticar. Quem sabe consiga fazer o que deveria ser feito.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Urbana-politana

Esta semana completei um mês morando em São José dos Pinhais, região metropolitana da minha – agora meio que distante – Curitiba. E, apesar de estar aqui por falta de opção (até tinha mais uma: morrer de calor em Foz do Iguaçu), vim registrar minha experiência, pois tem sido infinitamente melhor do que eu poderia presumir.

Imaginei que seria ruim. Não exatamente por ter algo contra São José, somente por ter tudo a favor de Curitiba, especialmente pelo centro da cidade que é o meu lugar favorito. Mesmo antes de morar lá, sempre gostei de tudo aquilo, desde que me entendo por gente. Lembro-me de andar na Rua XV de Novembro com a minha mãe, ir à Confeitaria da Família, ou comer x-pernil com meu pai na frente do bondinho. Minha cabeça de menina tinha curiosidade pelo tipo de pessoa que residia por ali. Imaginava se elas gostavam tanto de passear na Rua das Flores como eu. Ou se morar ali fazia disso pouca coisa. (Igual pensava dos moradores litorâneos...)

Depois cresci. Cresci e nunca deixei de ir às feiras na Praça Osório, tomar quentão com gemada na feira junina, sentir o cheiro da biblioteca pública sábado pela manhã, e integrar uma roda em volta de um grupo chileno que sempre cantava “Guantanamera” na Boca Maldita. Também tem a feirinha do Largo no domingo cedo. Tropeçar num Hare Krishna e comer bolinho de aipim com carne seca. Lá também é o paradeiro de muitos curitibanos na sexta à noite. Todo mundo caminhando feliz, no largo colorido, envolvidos em uma energia alcoólica.

Morando no centro descobri que nada perde a graça não. Me apaixonei por todos e cada elemento ‘urbanóide’. Mesmo os ruins e os feios! (Admito que tenho um gosto pelo feio, pelo sofrido, acho lírico, fazer o quê?).

O centro da cidade é uma música de ritmo frenético. Carros e outros barulhos ajudam a compô-la. Buzinas zombem para não deixar ninguém esquecer que há vida lá fora.

Mais vivo que isso são as praças e seus personagens. Os que dormem nos bancos, os vendedores ambulantes com seus slogans gastos. As ciganas da Ruy Barbosa, os punks da Tiradentes, os mendigos do Guadalupe. Para mim, são eles que compõem o traço poético da cidade.

Já, em São José, o que não me deixa esquecer que há vida lá fora são as cenas mais serenas, em câmera lenta...
No começo, para o dia-a-dia, tudo parece mais difícil. Ficar sem um centavo na carteira achando que cartão de débito resolve é um mero engano. Por outro lado, descobri que a quitanda aqui da esquina vende as verduras da horta que fica logo ali, na outra esquina.

Mas, a minha parte favorita é a população canina. Aqui moram os vira-latas mais melancólicos e pidonhos que já vi! Carentes e sedentos por amigos, bem como o povo daqui. Todo mundo é amigo de todo mundo e as pessoas têm um tratamento bem informal. Por exemplo, quando quero ir à farmácia, não vou à Nissei 24 horas, vou ali no Toninho. E também não faço compras no Mercadorama e sim no seu Genípulo, ali na esquina.

Quase esqueci o quanto pode ser sutil viver mais assim, sem barulhos indistintos. A vida aqui é mais lenta, os dias são mais longos. Um lugar para ter a sensação de que a vida é isso aí mesmo: sair pra buscar pão duas vezes ao dia, conversar com os vira-latas numa esquina...

São José tem um cheirinho de liberdade e o horizonte parece tão mais próximo que dá uma sensação de que o dever está cumprido, mesmo quando não está.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Entrar na roda e amar - “a sede infinita"

“O mundo muda, o amor permanece”. É isso que diz Charles Aznavour, em uma das suas tantas canções de amor. Ele tem razão. Apesar de, nossa forma de demonstrar e viver um amor ter se modificado tanto - paralelamente com todas as inovações e transformações das sociedades, o amor permanece! E, acho que mais que isso, a nossa vontade de amar e ser amado se mantém intacta, talvez até maior.
O assunto é o amor, sempre é! Para onde olho há gente falando sobre isso. Uns falam sobre o amor que esperam, outros sobre o amor que chegou, ou nasceu, ou renasceu, ou morreu.  Os mais próximos falam do amor que não floresceu.
O amor está nas minhas canções favoritas, livros, filmes, memórias. Acho mesmo que ele permanece. Porém não acredito que um amor possa ser eterno. Melhor dizendo, eu já não acredito mais no “juntos para sempre”.
Tá todo mundo no mesmo barco, fadados a querer um grande amor. Drummond já dizia:
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?

Até aí tudo bem. Que podemos senão entrar na roda também e amar? Tudo bem pedir aos céus um grande amor, normal, ué! Mas que peçamos com consciência do que isso representa. Ou seja, entender que o amor não é um negócio, um acordo, ou um contrato. Entender que não podemos determinar o tempo, e que não temos controle algum sobre tal sentimento. Falar em solidez quando se ama é definitivamente o que nos frustrará em algum momento. A única certeza que podemos ter é a certeza do incerto. Nada mais.
E aí, a gente se pergunta: qual o sentido disso tudo? Qual o sentido dessa coisa instável que chamamos de amor? Acho que o sentido é somente deixar ser, seguir o fluxo, deixar vir e deixar ir. E também saber gozar do amor como um todo, vivê-lo plenamente: na alegria e na tristeza.
...amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão...

Sou uma em um milhão que já tentou entender, milhares de vezes, em inúmeras situações, o que é o amor. Temos tanta necessidade dessas respostas e erramos por pura ignorância. Hoje, sou bem grata à minha vida por, finalmente, ter me feito entender um pouco – mesmo que do pior jeito – em que linha, essa coisa aí funciona – lembrando que o entendimento não muda em nada os acontecimentos, somente a forma como vamos lidar com eles.
Houve um tempo em que eu acreditava em contos de fada. Acreditava que encontraria alguém e seria feliz para sempre, simples assim! Foi com muito custo que aceitei que não é assim que funciona. Fui bem frustrada por muitos anos, por não querer aceitar que “o pra sempre, sempre acaba”. No entanto, acredito que se insistimos em querer eternizar as coisas é porque algo na gente realmente é eterno. Há de ser esse nosso gosto vivo de querer amar e ser amado.
Minha amiga me alertou várias vezes: “essas coisas não têm idade”. É verdade. Nunca somos muito novos para amar e nem muito velhos. Estamos indeterminadamente famintos por amor. Porém, o amor se esgota e acho eu que é essencial ter isso em mente e fazer as pazes com esse fato. O amor não é eterno, mas a nossa vocação para amar é sim!

...na concha vazia do amor à procura medrosa e paciente
de mais e mais amor.
...e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Oldies but goldies


Eu sempre digo que sou uma garota anos 80. Eu nasci nos anos 80, mas sempre tive uma inveja boa daqueles que passaram a adolescência nessa década. Meus tios me contam das festinhas na garagem regadas à refrigerante, gente colorida e muita música, enquanto eu fico me perguntando se nasci meio atrasada. Que nada! Graças à tecnologia eu posso acompanhar a década que eu quiser, ouvir, assistir (aliás, assistir era algo que eles praticamente só tiveram acesso com nosso querido youtube!).
É claro que cada época tem seu brilho e sua própria energia, e isso não há tecnologia que registre. Mas eu sou bem feliz pelas bandas que vi surgir e pude acompanhar. Afinal, a energia que eu sentia ouvindo Green Day, trancada em meu quarto, e sentindo que eles me entendiam, é algo que eu realmente não escolheria deixar de viver...
O papo aqui em casa ontem era música. Aliás, tem sido todos os dias! Vim morar temporariamente com a minha mãe e meu tio. Após duas semanas, consigo contar nos dedos os momentos em que não falamos sobre música. Meu tio mais novo é músico, e o é com tudo o que a palavra significa. Não é só a profissão dele, mas também a vida toda. Basta um computador com acesso ao youtube que ele vem e diz: “Deixa eu te mostrar uma coisa que você vai pirar”. E bingo! Eu sempre “piro” mesmo! A primeira da noite foi lá dos anos 70: Gary Glitter. É o tipo de música que chamam de Glam Rock. Passamos do tio Gary para Bonnie Tyler com “It’s a heartache” e uma bela espiada em vários clipes da Suzie Quatro (que voz! E ainda mandando ver no baixo!).


Fizemos umas sessão Michael Jackson e meu tio mostrou o clipe favorito dele “Don’t stop till you get enough”.  Eu contei que minha música favorita é “Beat It” e ele me contou que quem faz o solo é o guitarrista do Van Halen.  Haja conexão! Claro que matamos a saudade de ouvir “Jump”! Nesse meio tempo mostrei a versão indiana de thriller para o titio (imperdível!), afinal não é só ele que tem cultura musical, né? (brincadeira, juro que vou além disso!).

Chegamos aos anos 80 com os clipes de uma banda chamada Devo, eu nunca tinha ouvido! As cabeças dos integrantes da banda em cima de uma batata foi a coisa mais engraçada da seleção musical da noite. Viciados nos péssimos efeitos visuais provindos dessa época, eu e meu querido tio, vasculhamos o mundo virtual em busca dos piores clipes, e encontramos algumas pérolas que vou compartilhar aqui.
Demos uma avançada para os anos 90 e uma paradinha na era Grunge. Pearl Jam, algumas bandas das quais eu nunca ouvi falar e Nirvana, lógico. E quando vimos estávamos curtindo Foo Fighters e achando Dave Grohl o cara! (Ah, ele é mesmo!). Quando paramos de disputar o teclado, percebemos que estava na hora de parar, eram três horas da manhã em plena segunda-feira. Eu fui dormir com a alma bem nutrida e meu tio com a melhor das nostalgias.

 Me ajudem a votar no pior, please!

Modern Talking – Geronimo’s CadillacPior parte: passarela de rosas.

Kate Bush - Wuthering Heights / Pior parte: saber que foi o David Gilmour que descobriu esse talento.

Bangles - Walk Like an Egyptian /  Pior parte: ver a princesa Diana “andando como um egípcio”.

Milli Vanilli - Girl you know it's true /  Pior parte: quando eles pulam e se chocam no ar.

Toto - Rosanna /  Pior parte: a suposta Rosanna dançando.

Devo - Time Out For Fun /   Pior parte: as cabeças nas batatas.

 

 

 


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Quão perto estou de quem realmente sou?

I guess I couldn't live without the things that made my life what it is” (Too young / Phoenix / Lost in Translation soundtrack).

Dezembro chegou e foi embora, assim como qualquer outro mês. O natal passou e a transição do ano também, e eu só consigo pensar no quanto isso tudo já não faz mais diferença alguma para mim. 
Minha família sempre deu muita importância para as festas de fim de ano. Cresci amando isso e sempre me senti  diferente no final do ano. Mas não senti isso esse ano. Não senti nada de diferente que eu não poderia sentir em qualquer outro mês. Fiquei pensando sobre isso, sobre um possível motivo para não sentir nada demais. 
Hoje, vinte dias após o começo oficial do ano, eu me peguei incomodada por não ter sentido que nada de diferente realmente aconteceu, incomodada por ter me desprendido de heranças familiares - que mais são regras de como devemos nos sentir. Eu me diverti na festa de natal, assim como me diverti em todas as outras festas da minha família durante o ano todo. Tenho que confessar: minha família é divertida, sabem mesmo como fazer qualquer ocasião valer a pena, e isso me tira da lista das pessoas que acham a festa de natal em família um saco. Só que percebi que carrego muitas crenças da minha infância e fico repetindo sentimentos infantis que já não fazem mais sentido algum na minha vida, e quando eu me incomodo por não me sentir diferente quando dezembro chega é somente porque eu consegui me desapegar de mais alguma coisa inútil na minha vida, e a melhor parte é só perceber que isso aconteceu quando já está acontecendo há muito tempo.
A minha hora de fazer um balanço sobre o ano é realmente agora, mas só porque eu tenho muitas coisas novas coincidindo com o começo do ano, meu recomeço mais uma vez. O que eu tenho para dizer sobre 2010 é que foi um ano fantástico, um ano onde eu não precisei esperar o natal chegar para me sentir diferente, para sentir alguma magia louca no ar, porque eu me senti diferente todos os dias do ano. “Bonito mesmo é essa coisa da vida: um dia, quando menos se espera, a gente se supera. E chega mais perto de ser quem - na verdade - a gente é”. Li essa frase e fiquei me perguntando o quão perto estou de quem realmente sou? E acho que nunca antes estive tão perto. Me sinto sincera comigo mesma como nunca antes, me sinto bem próxima de mim mesma, cada dia mais perto. Pela primeira vez na vida, eu me sinto confortável sendo quem eu sou, eu não gostaria de ser nenhuma outra pessoa, eu não trocaria de lugar com ninguém, definitivamente.
Pensei nisso tudo enquanto escutava More than this da trilha sonora de Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003). “…As free as the wind / Hopefully learning / No care in the world / Maybe I'm learning / More than this you know there's nothing”.
O filme mostra exatamente o que aprendi este ano. Mostra o quão belo os relacionamentos podem ser (independente do desfecho), mostra um pico de cumplicidade entre duas pessoas. É o retrato perfeito de um desencontro que se eternizou. Simples assim. Uma história de amor sem a necessidade de romance. É um tal de encontro, logo existo e logo me escapa. Logo acaba. Logo permanece. Escapa e não necessariamente perde-se, do contrário, ao mesmo tempo que nos foge, se prende, nos prende. Ao mesmo tempo em que termina, começa. É mais eterno do que o que aparentemente fica para sempre. É uma coisa muito dúbia e muito interligada, é um ciclo sem ordem, é uma desordem, e é lindo. É a prova de que a vida consiste muito mais em encontros seguidos de desencontros, do que em encontros que duram para sempre, mas ao mesmo tempo, mesmo o que não dura para sempre, tem vida eterna, e sinceramente, não sei mais explicar o que isso significa, mas o filme é uma ótima forma de entender essa dubiedade toda.
Enfim... fiquei associando tudo isso ao filme - esse meu conforto todo comigo mesma. Revirei algumas anotações que fiz enquanto assisti, e fiquei pensando no meu ano que foi todo feito de encontros e desencontros, assim como o filme. Este ano, em especial, foi um ano que dissequei cada um dos meus 'esbarros' e acasos, prestei atenção e destrinchei cada colisão da vida como nunca antes e, principalmente, aprendi sobre a beleza de tudo isso, mesmo quando - parece - triste. E isso me mudou para sempre.
       
        [Charlotte: I just don't know what I'm supposed to be.
                        Bob: You'll figure that out. The more you know who you are, and what you want, the less you let things upset you
]. (Lost in Translation | 2003)

Sinto que quanto mais observo as pessoas que cruzam meu caminho e as situações, mais consigo entender. Procurei ter um olhar mais humano sobre todos e isso ajuda a ter uma melhor compreensão de tudo o que nos acontece, e não perdemos mais tanto tempo ficando chateados com as pessoas ou situações. A frase de Bob, personagem do filme, me faz entender porque, mesmo me sentindo estagnada por vezes ou diante de contratempos da vida, eu não deixo mais que as coisas me deixem triste ou desanimada. “Quanto mais você sabe quem você é e o que você quer, menos você deixa que as coisas te deixem triste”.

       Agora escuto Just like honey, da mesma trilha: “Escute a garota, enquanto ela enfrenta meio mundo, escalando as alturas e tão viva, em sua colmeia que vem pingando mel. Colmeia. É bom, tão bom, é tão bom. Tão bom”. Passei o ano inteiro escrevendo sobre isso, e não me canso de falar disso, é algo que me enobrece tanto, mas tanto, que não consigo dar fim ao assunto, simplesmente porque é bom, tão bom, é tão bom. Tão bom!





Ressignificando nossas relações

Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou. Não te amei, mas tentei. E eis que, por fim, surge algum tipo de amor. Não to...