quinta-feira, 27 de maio de 2010

Para vocês que fazem parte dessa massa

Em minha lista de cantores favoritos existem aqueles por quem eu guardo um afeto gigantesco, apesar de não ter acompanhado a risca todos os discos e trabalhos.
O Zé Ramalho faz parte deste grupo memorável, que independente de quanto tempo eu fique sem escutar, vai ter o tal lugar eterno na minha vida, juntamente com o Tim Maia e o Martinho da Vila, por exemplo.

No último sábado, 25, fui ao show do Zé Ramalho. Fui tranquila e sem grandes expectativas - no máximo esperando que ele cantasse aqueles sucessos – e nada mais.

No começo fiquei preocupada com o que o Zé iria achar da platéia, porque era uma noite fria em Curitiba, a casa não estava tão cheia e digamos que o povo estava beeemm curitibano.

Eu não posso afirmar qual foi à impressão dele, mas o show foi zen. O Zé estava zen e o pessoal também!

Até durante Frevo Mulher, a agitação era pouca, mas era gostosa, tranquila e parecia que todos estavam na mesma sintonia.

O mais engraçado é que eu nunca consegui chorar em um show. Já fui ver bandas que me acompanharam por estações e estações e modificaram a minha vida, mudaram o modo como eu vejo o mundo e... nada de choro! Poxa, eu ficava frustrada porque queria me emocionar muito. Acho que era tanta expectativa. e tanto entusiasmo que ficava bloqueada.

E então – sem expectativas e munida apenas de desejos simples - eu chorei muito vendo o Zé cantar. 
Chorei pois a poesia contida nas músicas me arrepiava. Pura poesia nordestina, pura poesia brasileira. Em "Vida de Gado" ele canta a vida do povo brasileiro e eu choro com aquele refrão fácil e cheio de significado: “Ê oh oh, vida de gado, povo marcado, povo feliz”.

No final a minha única vontade era abraçar ele, igual a gente abraça um avô.
Ele se despediu olhando pro alto e fazendo gesto de oração com as mãos, agradeceu muito, fez questão de olhar para todos os lados da platéia pausadamente e agradeceu mais uma vez. O povo pediu bis e ele voltou rapidinho para cantar Sinônimos.
Despediu-se novamente, como quem não quer ir embora e por fim disse “pra vocês que fazem parte dessa massa: fiquem com Deus” e saiu jogando um beijo com a mão. 

Também acho Deus de uma grande delicadeza

Criei esse blog para compartilhar alguns momentos de plenitude que me acontecem sempre. Momentos de insight, de uma sensação profunda de grandeza interior que geralmente são simples e pequeninos e tem mais a ver com a percepção que cada um tem de si mesmo, dos outros e da vida em geral.
Confesso que - há algum tempo já - depois de ler "O Milagre das Folhas", da Clarice Lispector, ao meu ver tudo pode ser milagroso e grandioso. Eu posso estar atrasada, triste ou com sono, se me caí uma folha ou uma gota de água, paro e olho para cima - meu humor é tomado por uma felicidade imensa do tipo: "Êba! A gotinha me escolheu mais uma vez".

É... eu também acho Deus de uma grande delicadeza.

Segue texto da Clarice.

***
O Milagre das Folhas - Clarice Lispector

"Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza”.

Ressignificando nossas relações

Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou. Não te amei, mas tentei. E eis que, por fim, surge algum tipo de amor. Não to...