terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre uma gargalhada, sobre o meu pai...


Eu queria escrever para o meu pai. Escrever alguma mensagem especial para o simbólico dia dos pais. Mas escrever mecanicamente eu não consigo.
É verdade que escrevo por escrever, mas surge sempre de algum lugar, e o que não é natural eu tento evitar e não inventar.
Porém, na última semana, assistindo ao filme “Estão Todos Bem”, eu quis escrever sobre o meu pai.
Eu não vou contar o enredo todo aqui, pois seria um pecado, já que é um filme que vale a pena assistir, um filme da alma. Mesmo quem não gosta de drama, pode se encantar com a interpretação de Robert De Niro.


Neste filme, De Niro, viaja pelos Estados Unidos para ver os quatro filhos que sempre prometem visitá-lo e nunca o fazem. O que me faz escrever aqui é uma cena bem simples e curtinha. Viajando de ônibus, ele faz uma parada nesses restaurantes de beira de estrada para jantar. O lugar está vazio, já é noite e ele assiste TV enquanto come. Aí então, ele dispara uma gargalhada gostosa, linda e pura por alguma bobagem que vê no programa que está passando.
Essa foi a cena que apertou meu coração e me encheu de lágrimas. Fui invadida por um sentimento de indignação e fiquei me perguntando – como se eu fizesse parte da vida deles lá do filme - como ousam esses filhos perderem de ver essa gargalhada?
Devo ter perdido a cena seguinte de tão indignada que fiquei.
É óbvio que a pergunta não era para os quatro filhos do De Niro e sim para mim.
Como eu ousava perder as gargalhadas do meu pai? Dias vão e vem e eu aqui, enquanto meu pai ri por aí! Como ouso?
Demorei um instante para me dar conta que não poderia me queixar disso, que essa cobrança não é devida comigo. Consegui me perdoar rapidamente ao lembrar que, com certeza, eu tive as melhores gargalhadas do meu pai só para mim. Sempre junto, sempre grudada, sempre preocupada com a vida dele tão movimentada.
Viajava daqui do sul ao norte, ia e vinha, mas sempre estava presente. Até eu ter vinte e um anos, o único aniversário que ele perdeu meu, foi o de quinze anos, mas nem rolou uma comemoração grandiosa e ele me pediu para faltar.


Eu não posso ficar de queixumes não. Eu tenho amigas que não tiveram isso, que a vida levou o pai delas cedo, que outra cidade levou cedo, ou que outra mulher levou cedo. Enfim: eu vivi com o meu por completos vinte e um anos.


Eu dormia e acordava na mesma casa, era obrigada a tomar as piores vitaminas matinais possíveis e tinha caronas diárias. Nas caronas a gente planejava a janta – que a mãe ia fazer, claro! – e os finais de semana, além de aproveitar a hora de trânsito para ajudá-lo a convencer meu irmão que ele precisava fazer algo da vida pra que a vida pudesse fazer algo dele.


Ele nos atormentava sábado de manhã, para ser mais exata às sete horas. Abria as janelas, batia panelas, ligava o som no último e dizia que dormir não tava com nada.

Ele me defendia quando minha irmã e meu irmão se juntavam para me torturar. Eles levavam umas cintadas por isso e eu já levei cintadas de chorar por eles apanharem. Meu pai sempre achou um absurdo isso: ter dó de quem me fez alguma maldade.


Eu era parceira dele para criar argumentos que convencessem minha mãe a ir pra praia num final de semana qualquer.

Ah, a praia! Meu pai é louco pela praia! Os olhos dele brilham igual criança quando fala da praia, e ele conta os dias para nela chegar. Ele também ama o verão, se desvencilha de tudo nessa estação. É como se o sol secasse todas as preocupações pro vento carregar.


Meu pai mora longe, não tão longe assim, mas não tão perto de mim. Eu já achei a distância uma praga. Só gora consigo entender e acredito muito na tal da distância que aproxima. Eu estou mais conectada ao meu pai hoje do que nunca antes. 

É que, quando eu era pequena, eu não acreditava que eu poderia ser tão especial para alguém tão perfeito e pensava “ah sim, claro que ele me ama, mas ele me ama por que ele tem que amar”.


Meu pai não é perfeito, está longe disso, assim como todos nós. Mas quando eu era pequena ele era a perfeição para mim, que naquela época mal sabia que perfeição não existia.

Antes, lá na infância, era aconchego, era colo, era admiração. Agora, na vida adulta, é tudo isso somado ao entendimento de que antes de pai ele é humano, que ele tem lá os seus defeitos e que mesmo assim, ele continua tendo de mim, o maior amor do mundo.


Eu sei que muitas vezes ele já não me entendeu, e eu sei que eu não entendi ele em outras tantas vezes. Talvez ainda existam vezes que não nos entendamos.

Um dia, na minha fase adolescente, eu disse que queria morrer. Ele disse que se era assim, essa também era a vontade dele. Eu disse essa e tantas outras bobeiras que partiram o coração dele.
Ele fez coisas que partiram o meu coração também. Nos perdoamos, sem muitos motivos racionais, mas só por que não tinha como ser de outro jeito.


Não tinha como ser de outro jeito por que meu pai está todo em mim. Sempre achei o máximo andar pelos corredores do trabalho dele e ver as pessoas me pararem para confirmar se, por acaso, não sou a filha do Magno. Acho o máximo quando forço o sorriso e minha mãe me chama a atenção pra eu parar de fazer a cara do meu pai. 

O pai está nos meus traços, no amor pela vida, pela praia, pelo verão, pelo natal. No jeito de me tratar bem sempre, de nunca passar vontade de uma comidinha boa, de não dar tanta importância para o dinheiro, de me tocar tanto com a vida do próximo, na capacidade que tenho de cair aqui e levantar acolá sempre.

Espero um dia contar piadas tão bem quanto ele e devolver pelo menos um pouco do orgulho que ele me deu. 

Eu acho meu pai o bam-bam-bam mesmo, o cara! Ele domina a arte de cativar as pessoas – arte que meu irmão herdou. É praticamente impossível ficar muito tempo sem falar com eles.

O pai conhece todo mundo, em todos os cantos da cidade.


Ah, a cidade. Ele conhece Curitiba e Curitiba o reconhece!

Ele dizia ser de extrema importância conhecer as ruas. “Aqui é o cruzamento das ruas mais importantes da cidade. Nunca esqueçam isso: Marechal com Marechal!”. Nunca vou esquecer-me das Marechais, pai!

Daí eu herdei isso, cresci achando importante saber das ruas. Eu adorava decorar os nomes para dizer: “pai, me leva na casa da fulana? É só pegar essa, virar naquela, cruzar aquela e pronto!” e ele ria. Ria um sorriso que dizia que ele já sabia.


Mesmo se eu quisesse essa cidade não me deixaria esquecê-lo. Ele está por toda parte, não só na Deodoro e na Floriano. 

Será que era isso então? Ele queria garantir que de um jeito ou de outro não seria esquecido? Seria esse o motivo de ele ensinar essas coisas com tanta insistência, repetindo todos os dias, para fixar na gente? A repetição dele só parava quando a gente repetia por ele.

Se passávamos ali no Centro Cívico, ele nem falava mais e eu dizia “eu sei, o pai brincava aqui quando era criança, por que o vô trabalhava aqui perto”. Quando passávamos na Dr. Faivre, era a mesma coisa. “Paiê, a gente vai passar na frente do lugar que foi o seu primeiro emprego!”.


Andando por aí, consigo ver muita coisa que me lembra ele. Fico rindo quando isso acontece, acho que ele é um tremendo de um bobo se fixava essas coisas na cabeça da gente para não ser esquecido.
É uma bobeira sem tamanho, uma bobeira descabida, pois não é isso que não me deixa esquecê-lo. 

O que me faz lembrar do meu pai todos os dias é algo que vai além de qualquer avenida. 
É algo sem jeito de explicar: mais grandioso e mais encantador que TODAS as ruas dessa cidade juntas.

Um comentário:

rosanamagno disse...

Oieeeeeeeeeeeeeee bru, lindo oq vc escreveu sobre seu pai , agora quando vai escrever p mami hem ... Valeu filhota , tenho maior orgulho d vc , e realmente vc precisa escrever um livro , minha futura Marta Medeiros. bjs.

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