sábado, 3 de novembro de 2018

Bolsonaro, a igualdade de Deus e a desigualdade social


Na última segunda-feira, ao assistir uma reportagem sobre a vida de Bolsonaro, no Jornal Nacional, ficou claro o porquê ele venceu as eleições.

Lembrei de cada pessoa com quem conversei que defendia os argumentos dele e tentei ver a reportagem com os olhos delas, lembrando da forma como pensavam. Tenho que dizer que consegui ver, com esses olhos dos outros, o homem que vai salvar o Brasil.

Salvar do quê? Salvar de quem?

Algumas coisas me chamaram atenção durante a reportagem e talvez possam responder à essas perguntas.

Primeiro, a camiseta que Bolsonaro vestia em alguns momentos da reportagem. Era amarela e tinha o mapa do Brasil com a mensagem: "Minha cor é o Brasil". Pode só parecer que era uma mensagem de oposição ao vermelho do partido adversário, mas ao meu ver, essa simples camiseta, que o futuro presidente usa com tanto orgulho, tem um significado maior e que não pode ser ignorado: engloba a ideia de que somos todos iguais, independentemente de raça e cor.



Além da mensagem na camiseta, essa ideia foi afirmada e reafirmada a campanha inteira por ele, Bolsonaro, e por muitos que o seguem. Ouvi, diversas vezes que "temos que parar com esse mimimi de homem e mulher, de branco e negro, de gay e hétero”. E por que? Pois, afinal, somos todos humanos, todos iguais.

Essa frase contém toda a condenação dessa campanha e também explica boa parte de seu sucesso.

Para quem concorda com a frase, preciso contar que tal sentença está longe de nos igualar, pelo contrário, é uma frase que nos divide. É, provavelmente, umas das coisas mascaradas e mais desigual que já ouvi. É a receita para o aumento da desigualdade de todas as formas. E, aponta aí, uma das características do fascismo.

Voltaremos nisso, mas, antes, preciso falar de outro ponto que também me chamou atenção na reportagem: a relação da religião com a vitória de Bolsonaro.

Independente da força da bancada da bíblia no Congresso e, para além dela, o marketing perfeito foi, infelizmente, utilizar Deus, Jesus e a religião para vencer esta eleição.

Digo infelizmente pensando nas pessoas que são realmente religiosas e levam à sério os ensinamentos cristãos e também pensando nos evangélicos e católicos sérios que não votaram em Bolsonaro e têm que ver o que eles consideram sagrado sendo usado como moeda eleitoral.

Mas aí me perguntam o que é que eu sei de Deus e de Jesus e do que eles pregavam se nem ao menos sou cristã? -- Não sou cristã, gente! Por favor, não entendam que sou anticristo como fizeram com a Manuela D'Ávila, quando ela declarou também não ser cristã, ok?

Eu cresci em um família católica e fui obrigada a fazer catequese e crisma, isso duas vezes por semana, no contra turno da escola, por dois anos seguidos, além das missas de domingo. Por isso, falo com alguma propriedade.

Por todas as histórias que ouvi e, falando resumidamente, os ensinamentos de Deus e Jesus tem como base o amor acima de tudo. As histórias da bíblia, mostram Jesus como um ser evoluído, livre de egoísmo, que morreu pelos outros, que dividia o pão com os irmãos e com os pobres e que, por fim, nos entendia como seres iguais.

Muitas lições dele eram voltadas à isso: ensinar as pessoas a amar a todos os seres, a aceitar a todos, a ajudar os necessitados. E foi distorcendo esse pensamento cristão que Bolsonaro ganhou força também, além claro, do antipetismo.

Volto à mensagem da camiseta: "O Brasil é a minha cor". Acontece que, quando Jesus dizia que era para tratar as pessoas de maneira igual, era justamente para que os pobres e oprimidos pela sociedade não fossem descartados. Agora, surrupiar o discurso cristão de que "somos todos iguais" e, por isso, entender que não deveríamos tratar mulheres e negros e gays e todas as minorias de forma diferente dentro da política e da sociedade? Ora, eu acho que nem preciso explicar para vocês que não, não temos direitos iguais dentro dessa sociedade, ou preciso?

Alguém discorda de que as mulheres foram criadas por gerações e gerações que acreditavam que só poderíamos fazer uma coisa: casar e ter filhos? Alguém discorda do FATO de que até pouquíssimo tempo atrás não tínhamos o direito ao voto, direito de estudar, direito de pedir o divórcio e também o direito de trabalhar? Discordar de fatos e transformar o discurso a favor das minorias em mimimi é a nova loucura. Não fazer sentido é a nova moda.


Alguém discorda que o preconceito racial está arraigado em nossa sociedade? Discorda que em um Brasil que tem a metade da sua população de pardos e negros, que esse mesmo número não aparece nas faculdades, por exemplo? É aquela observação bem básica: quantos médicos negros você teve na sua vida? Quantos professores negros? Quantas pessoas negras estavam na sua sala de aula? Nas empresas em que você trabalhou, os chefes e donos eram negros? No máximo, vocês vão encontrar um caso isolado, como o fato de Joaquim Barbosa ser o primeiro negro a chegar à presidência do STF brasileiro, em 2012, sendo o 45.º presidente do Supremo do Brasil (o primeiro foi nomeado em 1829, há 189 anos atrás!!!).

Para os cristãos, "somos todos iguais perante os olhos de Deus". Essa ideia é linda e eu imagino mesmo que se Deus é um ser de puro amor e bondade, como nos ensinam, não há de ser diferente. Porém, perante a sociedade, não vivemos em equidade e portanto, não somos todos iguais. Negros e brancos não têm NÃO os mesmos direitos. E isso é um FATO! Héteros e gays não têm os mesmos direitos e liberdades, bem como as mulheres não têm as mesmas oportunidades que os homens e por aí vai. 


Criar condições para colocar a sociedade em igualdade é o dever do Estado. Reverter esses quadros de desigualdade é essencial e urgente.

Na Europa, vemos países que são case de sucesso. Por acaso resolveram essa questão da desigualdade com violência, armando a população e tirando os direitos das minorias? Não! Pelo contrário, foi ao criarem políticas para diminuir a desigualdade social, diminuíram a violência e aumentaram a segurança. Existe uma relação entre a desigualdade social e a violência que é crucial entender. (Aqui, você pode ler mais sobre isso e analisar o caso da Holanda, recomendo a leitura).

Ter um futuro presidente que diga, em rede nacional, como Jair Bolsonaro disse, que o governo anterior separou brancos de negros e mulheres de homens é mais que um absurdo. Mais absurdo que isso é que ele tenha usado a religião para justificar isso, que somos todos iguais perante a Deus e, por isso, temos que parar com esse mimimi de minorias. Repito as mesmas frases, eu sei, mas estamos em tempos de enfatizar o óbvio.

Em um país em que metade da população vive com menos de um salário mínimo, precisamos aprender a votar com empatia, pensando no todo, precisamos apoiar medidas populares e não atacá-las.


Esse ataque também acontece aos pobres, e esse discurso de falsa igualdade também os alcança. Eu concordo com o discurso de que, em partes, estamos como estamos por que temos muito direitos. Mas quem é que tem muitos direitos neste país? A população que ganha bolsa família ou quem ganha 15 mil de vale refeição? Quem tem muitos direitos? O trabalhador que paga INSS e se aposenta pelo Estado após uma vida inteira de contribuição ou os familiares de militares que têm pensão vitalícia?

E vejam, não estou dizendo que nem um e nem outro estão errados, mas vale refletir sobre esses extremos, não? Dois anos de governo Temer, totalmente apoiado pelo povo, e eu só vejo tirarem direitos do pobre e do trabalhador. Agora, Bolsonaro se elegeu com o apoio do povo à essas mesmas pautas e com esse discurso de "chega de mamar na teta do governo". Mas gente, quem é que realmente tá mamando aqui? - É algo a se pensar: do lado de quem estamos, mais perto de quem estamos? Essas reflexões são importantes especialmente para os pobres e para a classe média, já que a classe rica no Brasil, que tem renda familiar de mais de seis mil reais, representa APENAS 5% da população.

Bolsonaro se apresentou como o homem que iria salvar o Brasil do PT, esse governo anterior que ele acusa de dividir a população por criar políticas que alcançavam as minorias. 

Acontece que, com políticas sociais que têm como objetivo nos igualar, ninguém perde, nem os ricos perdem. Um país menos desigual é um país mais livre da violência. Já que o que causa a violência não é a falta de bala e a falta de matar bandido. O que causa a violência é a desigualdade social.

Acreditem, a igualdade de Deus, da qual Jesus falava, não é a mesma igualdade dos homens. Infelizmente não é. Para sermos todos iguais neste país, temos um longo caminho pela frente. O primeiro passo é fazer isso aí que a religião cristã prega, aliás, que todas as religiões pregam: mais amor ao próximo! Reconheça seus privilégios e lute pelos direitos dos outros para chegarmos um dia a ser mais iguais, assim como somos - segundo os ensinamentos cristãos, iguais aos olhos de Deus. Tenho certeza de que, se Jesus voltasse hoje, ele seria um ativista pelas causas das minorias.


Ressignificando nossas relações

Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou. Não te amei, mas tentei. E eis que, por fim, surge algum tipo de amor. Não to...