terça-feira, 8 de março de 2011

Palpites e outras coisas sobre o carnaval da Sapucaí

Amanheci para ver o tão esperado desfile da Beija-Flor. Como já imaginava, dizer que é tão esperado é algo que a mídia vem pregando na cobertura deste carnaval, e que o povo acaba seguindo.
A Beija-Flor fez um desfile bonito, trouxe uma proposta nova de ter um desfile mais simples, fantasias mais leves. E, para mim, comentar a participação do cantor Roberto Carlos poderia ter sido menos sensacionalista. Pode ser carnaval, mas o jornalismo não deveria entrar no oba-oba e perder o compromisso de noticiar com um tanto de imparcialidade.

Acho que a luz do dia prejudica um pouco o brilho de um desfile, mesmo assim não acho que a Beija-Flor seja candidata ao título este ano. E, se tem algo bacana que a Globo fez neste festerê todo foi uma votação de brincadeira por parte do público, que hoje cedo, terça-feira de carnaval, foi encerrada. Claro que os critérios de avaliação dos jurados são bem mais refinados que o do povo. Ainda assim, acho que a opinião unânime nos faz refletir. Para o povo, a Beija-Flor ficou em último lugar.
Foi bem engraçado e contrastante ver três repórteres passarem uma hora (duração do desfile da Beija) enaltecendo o - como eles mesmos repetiam - "rei" Roberto Carlos, sem economizar nos adjetivos. E então, logo ao final da cobertura, ver o resultado da votação de brincadeira com o público colocando a escola em último.

Acho essa coisa do carnaval carioca - por mais glamouroso e profissional que tenha se tornado, uma cultura popular riquíssima. Ter uma cobertura da rede Globo com essa proporção para um evento popular ligado a comunidade é um reconhecimento merecido, mas que não alcança o que essa festa tem de mais bonito, de mais brasileiro, mais comunitário. E a beleza é essa, no fim das contas: ver toda a perfeição de cores e brilhos e criatividade e saber que isso só é possível porque, por trás disso tudo tem milhares de mãos de uma comunidade apaixonada.

É uma pena que, em momento algum - nem este ano, nem em outros que venho observando, qualquer comentário pertinente tenha sido feito nesse sentido, ou em tantos outros sentidos interessantes que poderiam ser explorados. No lugar disso, os comentários eram vazios, sem conteúdo, sem informação, sem nada.

Sempre perguntando para quem quer que fosse "você está emocionado?", tendo em mãos a resposta mais previsível possível: a resposta que se queria ter.

Nem o "rei" escapou da pergunta ordinária. E, ainda mais previsível respondeu - como não poderia deixar de ser - "são tantas emoções". Eu queria era ver o Roberto Carlos falar de como foi conhecer a comunidade de Nilópolis, que é movimentada e cresceu tanto por conta do carnaval.

Cresci passando meus carnavais confinada na sala de uma casa de praia, com meu avô torcendo para Beija-flor. Então eu torcia com ele. Contudo, sempre tivemos uma quedinha pela Vila Isabel, acho que por conta da participação do Martinho da Vila, cantor e compositor que tanto gostamos.

Ano passado, em visita ao Rio de Janeiro, uma das coisas que queria fazer era ver uma quadra de escola de samba. Mesmo que não pudesse entrar. Minhas amigas cariocas me acharam doidinha, porque ninguém vai ao Rio para passear, por exemplo na Vila Isabel. Mas esse foi nosso destino numa tarde de novembro. Nilópolis era muito longe para eu conhecer, disseram elas, mas a Vila era ali, do ladinho da casa delas.

Caminhamos pela Vila, passando em frente aos seus botecos boêmios. Numa ponta a estátua de Noel Rosa e, ao longo da calçada, as partituras deste mesmo compositor.

Cheguei a frente da quadra da escola, era um dia de semana qualquer... Na portaria, perguntei se por acaso eu poderia dar uma olhadinha rápida na quadra. A quadra do Noel, do Martinho. "Claro que pode, aqui pode tudo mermão", foi a resposta que tive.

Não sabia que era assim, tão fácil e barato um privilégio desses. Difícil e caro acho que são características salvas para o Cristo Redentor e Pão de Açúcar que, a propósito, eu não cheguei a conhecer.

A quadra estava vazia e eu cheia. Embasbacada: tudo ali dentro me deslumbrava...
De repente, alguém me chama: "Tu não é daqui não, é?". "Sou não", disse eu, ainda sem conseguir conversar com ninguém, ainda olhando para cima e para os lados.

Quem me chamou foi o Marquinhos, líder da bateria da Vila. Conversei com ele, contei do quanto me era raro estar ali. Ele me chamou pra desfilar na ala da comunidade, mas eu precisaria ir todas as quartas dali em diante aos desfiles e, infelizmente, eu não tinha condições. Me levou para conhecer todo mundo da Vila, intérpretes, mestre-sala, compositor. Todo mundo.

Para minha sorte, ainda naquela semana, teria uma festa de coroação da madrinha de bateria deles, a Sabrina Sato, ex-BBB e atual "repórter" do Pânico na TV. Digo sorte pois pude prestigiar uma festa da comunidade. Conheci os bastidores da festa. Eu e minha amigas cariocas fomos tratadas como convidadas vips ali. E digo vip no melhor dos sentidos. Dentre as nossas regalias destaco ouvir os carnavalescos, moradores de algum morro ali perto, falar sobre a vida no morro, sobre a nova política de segurança dos morros e, como não poderia deixar de ser, falaram sobre o desfile. Outra vantagem foi poder andar no meio da bateria - em ação - da Vila. Ali, no meio do batuque, da vibração, dos sorrisos escancarados, consegui tocar fatias do que fica enclausurado e omitido na Sapucaí.

Me lembro do Pepê, intérprete da Vila Isabel, falar com paixão, como quem dói, como quem expressa-se da forma mais sincera: "No dia do desfile, a gente esquece de tudo. Das contas, dos problemas. É como se a vida valesse a pena por apenas um dia no ano".

Uma vida toda feita da espera de um dia do ano. Uma vida a vigília de, pontualmente, um hora e vinte e dois minutos tirados de um ano.

Sempre assisti aos desfiles, desde pequena, pensando que algo muito grandioso se escondia por trás daquele único dia na Sapucaí. Aquela tarde, na quadra da Vila.

Na desesperança de - após tantos anos - ver uma cobertura que alcance tudo o que isso realmente implica, uma cobertura mais plena deste evento - quem sabe, algum dia, consiga fazer mais do que vir aqui e criticar. Quem sabe consiga fazer o que deveria ser feito.

Um comentário:

Henrique Inglez de Souza disse...

Olha a Bruna aí, geeeeeente! Pois é, dona Bruna... essa massificação transforma o Carnaval, que é um evento cultural bem legal, em uma aporrinhação. Ficam mostrando só essas porcarias de celebridades que estão nos camarotes ao invés de mergulhar (mesmo) nos bastidores, como esse que contou. Beijo!!

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