quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A música que canta e conta a vida

Participei anteontem do quarto debate do "Variações sobre o mesmo tema: Felicidade"  - evento já comentado aqui. O tema era “Felicidade e Música”, com a curadoria da filósofa Marcia Tiburi e o convidado Rodrigo Faour, que é jornalista e pesquisador musical.
Não foi à toa que Marcia nos apresentou o convidado como “uma enciclopédia da música popular brasileira”. Ele realmente é o sabe-tudo-da-MPB! Autor do livro “História Sexual da MPB” e produtor de um programa de TV com mesmo nome - veiculado no Canal Brasil - ele compartilhou sua vontade de aproximar os brasileiros da história da música. Por isso, propositalmente colocou este título, para nos chamar a atenção para conhecermos a história de artistas de outras décadas.

     Alguns pontos bacanas que Rodrigo levantou:
- Nós, brasileiros em geral, temos pouca referência do que foi feito de música “de qualidade” décadas antes desta. Isso se deve, em parte, a falta de material e informação que existe disponível. Nos Estados Unidos, se alguém quiser comprar o primeiro show da cantora Barbara Streisand de 1960, encontra-o em qualquer loja. Já aqui, isso não acontece. Exemplo disso é a cantora Dalva de Oliveira, que reinou por 30 anos na história da nossa música e não encontra-se acervo sobre a obra dela com facilidade.
- A cantora Marlene foi todos os tipos de artista possível. Além de ser cantora e compositora, ela fez cinema, TV, teatro e rádio. Foi convida por Édith Piaf para cantar na França por quatro meses. Mesmo com este currículo é pouco lembrada. Isso porque não criamos aqui uma cultura de firmar e reavivar artistas como a Marlene. Nos Estados Unidos – seja por uma preocupação cultural ou somente comercial – artistas como Elvis Presley, por exemplo, estão sempre sendo relembrados.
Esta é uma pitada das tantas coisas que o Rodrigo falou. Mas, o que mais me chamou a atenção e me deu vontade de dizer à ele: “obrigado por dizer isso”, foi quando por duas vezes falou sobre o Funk.
A questão central que discuti em meu trabalho de conclusão de curso foi a de se enxergar a música como cultura. Discuti o rock (tema direto de meu trabalho) não só como estilo musical, mas, principalmente, como um circuito que possui forte influência no modo de vida e comportamento de seus seguidores.
Por que é assim que funciona: por meio da arte nos reconhecemos e entendemos como é que chegamos aqui, como foi que nos tornamos o que somos. É a arte que nos permite viver verdadeiramente: é a nossa expressão. Ou nos expressamos por intermédio dela ou nos revelamos por ela. Li um texto do psicanalista Contardo Calligaris, que explicava bem isso: “Oscar Wilde notou: as pessoas passaram a olhar languidamente para o pôr-do-sol só depois que esse fenômeno natural se tornara objeto das aquarelas de Turner. Era um jeito de dizer que a realidade não nos sugere o que pintar, ao contrário: é a pintura que nos ensina a olhar”.  
Se a natureza se tornou visível por uma tela e nos fez olhar com outros olhos para o pôr-do-sol, isso também é feito com nosso modo de ser, de ver, de viver. No caso brasileiro, falando do contexto das sete artes, a música é a que mais se aproxima do povo. É a nossa arte favorita em um contexto geral. Conseguir enxergar o que a música conta da história de um povo, ver o que a música revela sobre uma “tribo” é definitivamente encantador.
Acho que, por isso, o carnaval é um movimento que me tira tanto o fôlego. É um movimento que movimenta! Movimenta comunidades, gera empregos, unifica, transforma!

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão/ gente empenhada em construir a ilusão/ e que tem sonhos como a velha baiana/ que foi passista, brincou em ala/ dizem que foi o grande amor do mestre-sala/ o sambista é um artista/ os foliões são embalados pelo pessoal da bateria/ sonhos de rei, de pirata e jardineira/ pra tudo se acabar na quarta-feira (Martinho da Vila)

O Cazuza cantou, em 1988, todo o vazio e o resto de um Brasil pós ditadura:

Meu partido é um coração partido / E as ilusões estão todas perdidas / Os meus sonhos foram todos vendidos / Tão barato que eu nem acredito... / Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia! Eu quero uma pra viver.

Por isso tudo fiquei estarrecida  quando Rodrigo falou sobre o Funk. Não vou dizer aqui que sou fã deste gênero, mas quando escuto por aí, às vezes, gosto de prestar atenção nas letras, acho divertido e sempre tive esta opinião: de que canta a vida de uma comunidade. Não acho ruim tanta gente não gostar, mas acho péssima a forma como olhamos isso, ou melhor, a forma como não olhamos! Como o Rodrigo mesmo disse, se começarmos a prestar mais atenção, quem sabe não conseguimos inovar os ritmos e fazer algo maravilhoso com essas letras.
         Foi excepcional e arrebatador ouvir alguém que estuda música a sério, falar do Funk assim, enxergar assim, não só como estilo musical, mas acima de tudo como um movimento cultural que canta e conta a história de periferias, de como vivem, como se divertem, o que pensam sobre a vida. Porque no final de tudo, essa é a magnitude da arte, e a grandeza da música: a chance que é dada a cada indivíduo de afirmar sua própria cultura.
 
Aperitivo:

O Rodrigo Faour produziu um disco da cantora Alcione, chamado Sabiá Marrom, com músicas inéditas. Foi uma descoberta, uma relíquia da melhor época da cantora, de 1970. Eu ainda não ouvi, mas já li por aí que foi considerado um dos melhores discos do ano. Fica a dica!

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