Criei esse blog para compartilhar alguns momentos de plenitude que me acontecem sempre. Momentos de insight, de uma sensação profunda de grandeza interior que geralmente são simples e pequeninos e tem mais a ver com a percepção que cada um tem de si mesmo, dos outros e da vida em geral.
Confesso que - há algum tempo já - depois de ler "O Milagre das Folhas", da Clarice Lispector, ao meu ver tudo pode ser milagroso e grandioso. Eu posso estar atrasada, triste ou com sono, se me caí uma folha ou uma gota de água, paro e olho para cima - meu humor é tomado por uma felicidade imensa do tipo: "Êba! A gotinha me escolheu mais uma vez".
É... eu também acho Deus de uma grande delicadeza.
Segue texto da Clarice.
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O Milagre das Folhas - Clarice Lispector
"Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza”.
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