Hoje, compartilho este texto que escrevi para
a seleção da oficina de reportagem, da qual tenho orgulho de ter participado! Foi ministrada por ninguém mais, ninguém menos que a incrível Eliane
Brum. Felizmente fui selecionada na época, com dois textos que escrevi conforme os temas que a Eliane escolheu para selecionar os participantes da oficina. Este é um deles:
Um
nome sem significados profundos, um sobrenome inventado
A
entrevista com minha mãe durou apenas um minuto: “Ué, você tem esse nome porque
eu achava bonito. Daí decidi que se fosse menina seria Bruna, se fosse menino, Bruno”,
disse ela, como quem diz a coisa mais óbvia do mundo. Continuei insistindo. Perguntei
o porquê ela achava bonito, se tinha alguma história envolvida, algum motivo
especial. Como ela costuma fazer quase sempre, me respondeu com outra pergunta:
“Por que tudo tem que ter um significado profundo para você?”.
Dela, minha mãe, foi tudo
o que eu consegui descobrir sobre meu primeiro nome. E meu pai não tem ideia
alguma sobre nada, parece que não interferiu na decisão ou, se o fez, não se
lembra. Ele disse ter uma história engraçada sobre a escolha do nome do Lucas,
meu irmão. Ele provavelmente teria mais corpo para este relato. A mim só resta
contar algumas lembranças fugidias de qualquer incômodo – ruim ou bom - que meu
nome tenha me causado.
Em 1996, com dez anos, eu não
tinha uma relação muito boa com meu nome. Na escola em que estudava, o pátio
era dividido: de um lado as meninas e do outro os meninos. Nos horários de
recreio, não sei se pela impressão que o meu corte de cabelo em formato tigela
dava, ou se por maldade mesmo, algumas meninas chamavam a inspetora e diziam que
tinha um menino do lado feminino. Como eu era muito tímida e insegura, até a
confusão ser resolvida, minha alma já estava destruída. Claro, a culpa não era
do meu nome, mas acho que minha cabeça de criança queria colocar a culpa em
algo, e foi no nome. Além disso, existia o fato de, na hora da chamada, com a
intenção de distinguir as cinco xarás da sala, a professora falar o sobrenome
do meio, nunca o último. E isso incitava ainda mais a situação, pois eu
odiava este nome, achava ele comum e sem força, ou sem efeito, ao menos ao lado
do meu primeiro nome. Enfim, essa era a época que eu era Bruna Rodrigues. E, até
hoje, o Rodrigues está um tanto associado com um tempo em que as memórias não
são as melhores. Até que, atualmente, não me incomoda mais, simplesmente não
existe muito na minha vida, apesar de estar timbrado em tudo quanto é documento
pessoal.
Como eu não gostava de ser
quem eu era, não gostava de ser Bruna. Porque era o meu nome, e eu não me
relacionava bem com nada que fosse de minha posse, ao menos é assim que imagino
que este processo funcione, ou possa ter funcionado na minha cabeça de criança.
Lembro de algumas vezes ter
dito diretamente à minha mãe que não gostava do que ela me impôs pra uma vida
inteira: um nome! Perguntei por que não me foi escolhido um diferente como o
da minha irmã, a Fabiola. Pelo menos ela era a única na sala de aula, pensava
eu como argumento. Um dia, por fim, minha mãe retrucou chateada. “Eu também não
gosto do meu nome, e nem por isso contei à sua avó”. Fiquei com remorso e nunca
mais disse que não gostava de me chamar assim.
Só agora me lembrei dessas
pequenas marcas. Hoje, gosto tanto do
meu nome, que tenho essa mania de ficar escrevendo ele com a caneta
incansavelmente para esvaziar a mente, vez ou outra. Como se me olhasse no
espelho. Sinto-me confortável como Bruna, não trocaria de nome com ninguém,
ninguém mesmo. Só contei isso à minha mãe hoje durante a pequena entrevista. Acho
que ela merecia saber.
Hoje eu assino e me
apresento Bruna Magno. Quando entrei na faculdade tive coragem de pedir à todos
os professores que, ao me chamar, esquecessem o Rodrigues. Sou bem apaixonada
pela sonoridade dos dois nomes juntos, pelo efeito visual e pela síntese que apresentam. É o único traço conciso que eu consigo ter, acho.
Do
meu último nome, consegui uma boa história com meu avô. Foi uma entrevista que
brotou há alguns anos atrás e sem querer. Achei a identidade dele em cima da
mesa, e percebi que nem o pai, nem a mãe dele tinham Magno como sobrenome. Mas, meu avô, e todos os seus cinco irmãos tinham, além do Rodrigues, um Magno no
final. Ele me disse que seus pais inventaram, porque achavam que era sobrenome
de guerreiro. Meu avô, Carlos Magno, não sabe ao certo se foi
influência de Carlos, O Grande ou Alexandre, mas disse que deve ser.
Costumo
contar essa história à todos que perguntam sobre a origem do meu sobrenome. Antes
que eu responda, tentam adivinhar que deve ser espanhol pronunciando ‘Manhô’. E
eu sempre digo: “Com essa minha cara de índia, você acha mesmo que eu tenho origem
européia?”, e dou risada. Claro, uma coisa não tem, necessariamente, a ver com a outra, mas todo mundo estranha esse orgulho diferente que vem junto com a piada.
E eu gosto deste estranhamento.
De todas essas histórias,
eu me pergunto se a relação que temos com o nosso nome tem uma ligação direta
com o nome em si, ou só acompanha a forma como nos relacionamos conosco mesmo?
A gente vive, cresce, amadurece e vai, com os anos, se sentindo mais a vontade na
própria pele. Ou mais conformados. Isso parece fazer sentido na minha história.
Mas, ainda assim, eu penso, quase com certeza, que não seria a mesma pessoa se
não me chamasse Bruna Rodrigues Magno. Vai ver é um pouco dos dois. Vai ver uma
coisa não existe sem a outra. Talvez nosso nome nos ajude a construir quem
somos, ao mesmo tempo em que nós construímos e damos vida ao nome que temos.
Será?
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