Na última
segunda-feira, ao assistir uma reportagem sobre a vida de Bolsonaro, no Jornal
Nacional, ficou claro o porquê ele venceu as eleições.
Lembrei de cada
pessoa com quem conversei que defendia os argumentos dele e tentei ver a
reportagem com os olhos delas, lembrando da forma como pensavam. Tenho que
dizer que consegui ver, com esses olhos dos outros, o homem que vai salvar o
Brasil.
Salvar do quê?
Salvar de quem?
Algumas coisas me
chamaram atenção durante a reportagem e talvez possam responder à essas
perguntas.
Primeiro, a
camiseta que Bolsonaro vestia em alguns momentos da reportagem. Era amarela e
tinha o mapa do Brasil com a mensagem: "Minha cor é o Brasil". Pode
só parecer que era uma mensagem de oposição ao vermelho do partido adversário,
mas ao meu ver, essa simples camiseta, que o futuro presidente usa com tanto orgulho, tem um significado maior e que não pode ser ignorado: engloba a ideia
de que somos todos iguais, independentemente de raça e cor.
Além da mensagem
na camiseta, essa ideia foi afirmada e reafirmada a campanha inteira por ele,
Bolsonaro, e por muitos que o seguem. Ouvi, diversas vezes que "temos que
parar com esse mimimi de homem e mulher, de branco e negro, de gay e hétero”. E
por que? Pois, afinal, somos todos humanos, todos iguais.
Essa frase contém
toda a condenação dessa campanha e também explica boa parte de seu sucesso.
Para quem
concorda com a frase, preciso contar que tal sentença está longe de nos
igualar, pelo contrário, é uma frase que nos divide. É, provavelmente, umas das
coisas mascaradas e mais desigual que já ouvi. É a receita para o aumento da
desigualdade de todas as formas. E, aponta aí, uma das características do
fascismo.
Voltaremos nisso,
mas, antes, preciso falar de outro ponto que também me chamou atenção na
reportagem: a relação da religião com a vitória de Bolsonaro.
Independente da
força da bancada da bíblia no Congresso e, para além dela, o marketing perfeito
foi, infelizmente, utilizar Deus, Jesus e a religião para vencer esta eleição.
Digo infelizmente
pensando nas pessoas que são realmente religiosas e levam à sério os
ensinamentos cristãos e também pensando nos evangélicos e católicos sérios que
não votaram em Bolsonaro e têm que ver o que eles consideram sagrado sendo
usado como moeda eleitoral.
Mas aí me
perguntam o que é que eu sei de Deus e de Jesus e do que eles pregavam se nem
ao menos sou cristã? -- Não sou cristã, gente! Por favor, não entendam que sou anticristo
como fizeram com a Manuela D'Ávila, quando ela declarou também não ser cristã,
ok?
Eu cresci em um
família católica e fui obrigada a fazer catequese e crisma, isso duas vezes por semana, no contra turno da
escola, por dois anos seguidos, além das missas de domingo. Por isso, falo com alguma propriedade.
Por todas as
histórias que ouvi e, falando resumidamente, os ensinamentos de Deus e Jesus
tem como base o amor acima de tudo. As histórias da bíblia, mostram Jesus como
um ser evoluído, livre de egoísmo, que morreu pelos outros, que dividia o pão
com os irmãos e com os pobres e que, por fim, nos entendia como seres iguais.
Muitas lições
dele eram voltadas à isso: ensinar as pessoas a amar a todos os seres, a
aceitar a todos, a ajudar os necessitados. E foi distorcendo esse pensamento
cristão que Bolsonaro ganhou força também, além claro, do antipetismo.
Volto à mensagem
da camiseta: "O Brasil é a minha cor". Acontece que, quando Jesus
dizia que era para tratar as pessoas de maneira igual, era justamente para que
os pobres e oprimidos pela sociedade não fossem descartados. Agora, surrupiar o
discurso cristão de que "somos todos iguais" e, por isso, entender
que não deveríamos tratar mulheres e negros e gays e todas as minorias de forma
diferente dentro da política e da sociedade? Ora, eu acho que nem preciso
explicar para vocês que não, não temos direitos iguais dentro dessa sociedade,
ou preciso?
Alguém discorda de que as mulheres foram criadas por gerações e gerações que acreditavam que só
poderíamos fazer uma coisa: casar e ter filhos? Alguém discorda do FATO de que
até pouquíssimo tempo atrás não tínhamos o direito ao voto, direito de estudar,
direito de pedir o divórcio e também o direito de trabalhar? Discordar de fatos
e transformar o discurso a favor das minorias em mimimi é a nova loucura. Não
fazer sentido é a nova moda.
Alguém discorda
que o preconceito racial está arraigado em nossa sociedade? Discorda que em um
Brasil que tem a metade da sua população de pardos e negros, que esse mesmo
número não aparece nas faculdades, por exemplo? É aquela observação bem básica:
quantos médicos negros você teve na sua vida? Quantos professores negros?
Quantas pessoas negras estavam na sua sala de aula? Nas empresas em que você
trabalhou, os chefes e donos eram negros? No máximo, vocês vão encontrar um
caso isolado, como o fato de Joaquim Barbosa ser o primeiro negro a chegar à
presidência do STF brasileiro, em 2012, sendo o 45.º presidente do Supremo do Brasil (o primeiro foi nomeado em 1829, há 189 anos atrás!!!).
Para os cristãos,
"somos todos iguais perante os olhos de Deus". Essa ideia é linda e
eu imagino mesmo que se Deus é um ser de puro amor e bondade, como nos ensinam,
não há de ser diferente. Porém, perante a sociedade, não vivemos em equidade e portanto, não somos todos iguais.
Negros e brancos não têm NÃO os mesmos direitos. E isso é um FATO! Héteros e
gays não têm os mesmos direitos e liberdades, bem como as mulheres não têm as
mesmas oportunidades que os homens e por aí vai.
Criar condições para colocar a sociedade em igualdade é o dever do Estado. Reverter esses quadros de desigualdade é essencial e urgente.
Criar condições para colocar a sociedade em igualdade é o dever do Estado. Reverter esses quadros de desigualdade é essencial e urgente.
Na Europa, vemos
países que são case de sucesso. Por acaso resolveram essa questão da desigualdade com
violência, armando a população e tirando os direitos das minorias? Não! Pelo
contrário, foi ao criarem políticas para diminuir a desigualdade social, diminuíram
a violência e aumentaram a segurança. Existe uma relação entre a desigualdade
social e a violência que é crucial entender. (Aqui, você pode ler mais sobre
isso e analisar o caso da Holanda, recomendo a leitura).
Ter um futuro
presidente que diga, em rede nacional, como Jair Bolsonaro disse, que o governo anterior separou brancos de negros e mulheres de
homens é mais que um absurdo. Mais absurdo que isso é que ele tenha usado a
religião para justificar isso, que somos todos iguais perante a Deus e, por
isso, temos que parar com esse mimimi de minorias. Repito as mesmas frases, eu
sei, mas estamos em tempos de enfatizar o óbvio.
Em um país em que
metade da população vive com menos de um salário mínimo, precisamos aprender a
votar com empatia, pensando no todo, precisamos apoiar medidas populares e não
atacá-las.
Esse ataque
também acontece aos pobres, e esse discurso de falsa igualdade também os
alcança. Eu concordo com o discurso de que, em partes, estamos como estamos por
que temos muito direitos. Mas quem é que tem muitos direitos neste país? A
população que ganha bolsa família ou quem ganha 15 mil de vale refeição? Quem
tem muitos direitos? O trabalhador que paga INSS e se aposenta pelo Estado após
uma vida inteira de contribuição ou os familiares de militares que têm pensão vitalícia?
E vejam, não
estou dizendo que nem um e nem outro estão errados, mas vale refletir sobre
esses extremos, não? Dois anos de governo Temer, totalmente apoiado pelo povo,
e eu só vejo tirarem direitos do pobre e do trabalhador. Agora, Bolsonaro se
elegeu com o apoio do povo à essas mesmas pautas e com esse discurso de
"chega de mamar na teta do governo". Mas gente, quem é que realmente
tá mamando aqui? - É algo a se pensar: do lado de quem estamos, mais perto de
quem estamos? Essas reflexões são importantes especialmente para os pobres e
para a classe média, já que a classe rica no Brasil, que tem renda familiar de mais de seis mil reais, representa
APENAS 5% da população.
Bolsonaro se apresentou como o homem que iria salvar o Brasil do PT, esse governo anterior que ele acusa de dividir a população por criar políticas que alcançavam as minorias.
Acontece que, com políticas sociais
que têm como objetivo nos igualar, ninguém perde, nem os ricos perdem. Um país
menos desigual é um país mais livre da violência. Já que o que causa a
violência não é a falta de bala e a falta de matar bandido. O que causa a
violência é a desigualdade social.
Acreditem, a
igualdade de Deus, da qual Jesus falava, não é a mesma igualdade dos homens.
Infelizmente não é. Para sermos todos iguais neste país, temos um longo caminho
pela frente. O primeiro passo é fazer isso aí que a religião cristã prega,
aliás, que todas as religiões pregam: mais amor ao próximo! Reconheça seus
privilégios e lute pelos direitos dos outros para chegarmos um dia a ser mais
iguais, assim como somos - segundo os ensinamentos cristãos, iguais aos olhos de Deus. Tenho certeza de que, se Jesus voltasse hoje, ele seria um ativista pelas causas das minorias.