Escrevo-te assim como quem escreve para alguém que nunca amou.
Não te amei, mas tentei.
E eis que, por fim, surge algum tipo de amor.
Não toda hora e nem de qualquer jeito. Mas, ainda assim: amor.
Amor por sua cor; por seu cheiro de terra.
Amor também pela forma como você brota do chão como um presente dos céus.
Ah! E suas vitaminas ímpares? Mais do que te amar, eu te respeito!
Acho bonita a forma como me mancha a mão. Haja água para te limpar de mim!
Quando me alimento de ti, todos sabem! Nunca passa despercebida: teu sumo deixa rastros violeta pela cozinha: nos puxadores dos armários; em gotas que se derramam pelo chão. Nenhuma outra igual a ti deixa marcas assim: és única!
Quando eu era pequena, minha mãe me fazia um xarope caseiro de beterraba para curar uma anemia que eu tinha. Isso me traumatizou e me fez odiar beterraba a vida toda. Nos últimos anos, venho ressignificando minhas relações (com pessoas, coisas, lugares e circunstâncias). O resultado é libertador.
É fácil gostar do que sempre se gostou. É fácil odiar o que sempre se odiou. Difícil é aprender a aceitar nossos desafetos e dar um novo sentido para eles: prová-los de forma diferente, sob um novo paladar. Quando nos abrimos para isso, criamos um espaço para um novo sentimento. Quiçá outro tipo de amor. Ou nem amor e nem ódio. Um meio termo de sabor indefinido. Agridoce talvez.
Dark é, basicamente, um seriado sobre viagens no tempo. Ali, as pessoas viajam para outros tempos, como quem viaja para outras cidades. Quem vai para o futuro não aceita que foi parar lá e tenta, incansavelmente, voltar para o presente, que, no caso, já é passado. Por sua vez, quem vai para o passado, se vê aflito sabendo que cada pequeno acontecimento, cada pequena escolha vai desenhar o futuro tal como já conhecem. Tem coisas que dá vontade de reescrever e tem outras que sabemos que precisavam acontecer.
De todo modo, não seria essa mesma a história de nossas vidas: uma repetição de não aceitação de tudo o que já não é? No presente não aceitamos o nosso passado e, se não tomamos muito muito cuidado, estamos fadados a - no futuro, não nos conformarmos com o rumo que as coisas tomaram.
Um dos personagens, preso lá no passado, quer voltar para o tempo que ele reconhece como sendo o seu tempo. Mas, ele descobre que não poderá fazer isso pelos próximos 32 anos. O que fazer? Continuar tentando voltar? Ou talvez aceitar que, agora, esse é o seu novo tempo e que a forma que ele decidir viver aqui e agora vai construir os outros presentes porvir, o futuro!
Se, no passado plantamos o que colhemos no presente e, aqui, no presente, plantamos o que virá no futuro, então é melhor começar a plantar boas sementes. Penso que, se não escolhermos com cuidado o que sentimos, pensamos e o que propagamos ao universo aqui, neste exato momento, pode ser que o futuro seja só mais do mesmo. O eterno retorno. Se não trabalhamos em nós mesmos no momento presente, não temos futuro e a vida se repete. E aí estaremos sempre presos no passado – estagnados!
Andei revisitando muitos afetos do meu passado, antigos amores que me feriram, amigos que já não caminham mais comigo. Não foi algo que busquei e nem foi motivado por algum tipo de nostalgia, só me aconteceu isso: o passado me voltando até que eu parasse para prestar atenção. O que foi que aprendi e o que de fato criei lá atrás que me segue até aqui? Sinto que, por muitos anos, as coisas eram dolorosas e desconexas, mas - quando decidi viver com mais responsabilidade, quando decidi delinear quem eu sou e para onde quero ir, o passado depois desse ponto é muito mais fluído, mais leve, menos denso, mais conectado e pelo qual posso dizer que as coisas não só me aconteceram desenfreadamente, mas eu disse sins e nãos conscientes - de acordo com quem sou e quero ser e, ufa! - agora sim sinto que minha história foi de fato escrita e narrada por mim.
Sei que no futuro não existirão mais as histórias de como as pessoas me feriram, de como eu reagia loucamente à forma como me tratavam, de como eu me mantive por períodos longos demais em relacionamentos que não eram para mim. A gente aprende, visitando o passado, que é importante saber quem somos para respeitar o que estipulamos: eu não admito ser tratada assim e, portanto, vou embora mesmo que algo em mim ainda queira ficar. Isso é um tremendo respeito para consigo mesma!
Também aprendemos que nem tudo o que nos é posto é para ser acatado e vivido, tem que saber muito de si mesma para dizer SIM para coisas, pessoas e situações que te levam na direção que você se propôs a seguir e mais ainda para dizer NÃO para o que claramente vai te levar para onde você não quer ir ou, melhor, pra onde você jamais quer voltar.
Espero que, cada vez mais, a gente viva com mais consciência e possa dizer com orgulho que não fomos moldados ao acaso, mas que nos construímos.
Na última
segunda-feira, ao assistir uma reportagem sobre a vida de Bolsonaro, no Jornal
Nacional, ficou claro o porquê ele venceu as eleições.
Lembrei de cada
pessoa com quem conversei que defendia os argumentos dele e tentei ver a
reportagem com os olhos delas, lembrando da forma como pensavam. Tenho que
dizer que consegui ver, com esses olhos dos outros, o homem que vai salvar o
Brasil.
Salvar do quê?
Salvar de quem?
Algumas coisas me
chamaram atenção durante a reportagem e talvez possam responder à essas
perguntas.
Primeiro, a
camiseta que Bolsonaro vestia em alguns momentos da reportagem. Era amarela e
tinha o mapa do Brasil com a mensagem: "Minha cor é o Brasil". Pode
só parecer que era uma mensagem de oposição ao vermelho do partido adversário,
mas ao meu ver, essa simples camiseta, que o futuro presidente usa com tanto orgulho, tem um significado maior e que não pode ser ignorado: engloba a ideia
de que somos todos iguais, independentemente de raça e cor.
Além da mensagem
na camiseta, essa ideia foi afirmada e reafirmada a campanha inteira por ele,
Bolsonaro, e por muitos que o seguem. Ouvi, diversas vezes que "temos que
parar com esse mimimi de homem e mulher, de branco e negro, de gay e hétero”. E
por que? Pois, afinal, somos todos humanos, todos iguais.
Essa frase contém
toda a condenação dessa campanha e também explica boa parte de seu sucesso.
Para quem
concorda com a frase, preciso contar que tal sentença está longe de nos
igualar, pelo contrário, é uma frase que nos divide. É, provavelmente, umas das
coisas mascaradas e mais desigual que já ouvi. É a receita para o aumento da
desigualdade de todas as formas. E, aponta aí, uma das características do
fascismo.
Voltaremos nisso,
mas, antes, preciso falar de outro ponto que também me chamou atenção na
reportagem: a relação da religião com a vitória de Bolsonaro.
Independente da
força da bancada da bíblia no Congresso e, para além dela, o marketing perfeito
foi, infelizmente, utilizar Deus, Jesus e a religião para vencer esta eleição.
Digo infelizmente
pensando nas pessoas que são realmente religiosas e levam à sério os
ensinamentos cristãos e também pensando nos evangélicos e católicos sérios que
não votaram em Bolsonaro e têm que ver o que eles consideram sagrado sendo
usado como moeda eleitoral.
Mas aí me
perguntam o que é que eu sei de Deus e de Jesus e do que eles pregavam se nem
ao menos sou cristã? -- Não sou cristã, gente! Por favor, não entendam que sou anticristo
como fizeram com a Manuela D'Ávila, quando ela declarou também não ser cristã,
ok?
Eu cresci em um
família católica e fui obrigada a fazer catequese e crisma, isso duas vezes por semana, no contra turno da
escola, por dois anos seguidos, além das missas de domingo. Por isso, falo com alguma propriedade.
Por todas as
histórias que ouvi e, falando resumidamente, os ensinamentos de Deus e Jesus
tem como base o amor acima de tudo. As histórias da bíblia, mostram Jesus como
um ser evoluído, livre de egoísmo, que morreu pelos outros, que dividia o pão
com os irmãos e com os pobres e que, por fim, nos entendia como seres iguais.
Muitas lições
dele eram voltadas à isso: ensinar as pessoas a amar a todos os seres, a
aceitar a todos, a ajudar os necessitados. E foi distorcendo esse pensamento
cristão que Bolsonaro ganhou força também, além claro, do antipetismo.
Volto à mensagem
da camiseta: "O Brasil é a minha cor". Acontece que, quando Jesus
dizia que era para tratar as pessoas de maneira igual, era justamente para que
os pobres e oprimidos pela sociedade não fossem descartados. Agora, surrupiar o
discurso cristão de que "somos todos iguais" e, por isso, entender
que não deveríamos tratar mulheres e negros e gays e todas as minorias de forma
diferente dentro da política e da sociedade? Ora, eu acho que nem preciso
explicar para vocês que não, não temos direitos iguais dentro dessa sociedade,
ou preciso?
Alguém discorda de que as mulheres foram criadas por gerações e gerações que acreditavam que só
poderíamos fazer uma coisa: casar e ter filhos? Alguém discorda do FATO de que
até pouquíssimo tempo atrás não tínhamos o direito ao voto, direito de estudar,
direito de pedir o divórcio e também o direito de trabalhar? Discordar de fatos
e transformar o discurso a favor das minorias em mimimi é a nova loucura. Não
fazer sentido é a nova moda.
Alguém discorda
que o preconceito racial está arraigado em nossa sociedade? Discorda que em um
Brasil que tem a metade da sua população de pardos e negros, que esse mesmo
número não aparece nas faculdades, por exemplo? É aquela observação bem básica:
quantos médicos negros você teve na sua vida? Quantos professores negros?
Quantas pessoas negras estavam na sua sala de aula? Nas empresas em que você
trabalhou, os chefes e donos eram negros? No máximo, vocês vão encontrar um
caso isolado, como o fato de Joaquim Barbosa ser o primeiro negro a chegar à
presidência do STF brasileiro, em 2012, sendo o 45.º presidente do Supremo do Brasil (o primeiro foi nomeado em 1829, há 189 anos atrás!!!).
Para os cristãos,
"somos todos iguais perante os olhos de Deus". Essa ideia é linda e
eu imagino mesmo que se Deus é um ser de puro amor e bondade, como nos ensinam,
não há de ser diferente. Porém, perante a sociedade, não vivemos em equidade e portanto, não somos todos iguais.
Negros e brancos não têm NÃO os mesmos direitos. E isso é um FATO! Héteros e
gays não têm os mesmos direitos e liberdades, bem como as mulheres não têm as
mesmas oportunidades que os homens e por aí vai.
Criar condições
para colocar a sociedade em igualdade é o dever do Estado. Reverter esses
quadros de desigualdade é essencial e urgente.
Na Europa, vemos
países que são case de sucesso. Por acaso resolveram essa questão da desigualdade com
violência, armando a população e tirando os direitos das minorias? Não! Pelo
contrário, foi ao criarem políticas para diminuir a desigualdade social, diminuíram
a violência e aumentaram a segurança. Existe uma relação entre a desigualdade
social e a violência que é crucial entender. (Aqui, você pode ler mais sobre
isso e analisar o caso da Holanda, recomendo a leitura).
Ter um futuro
presidente que diga, em rede nacional, como Jair Bolsonaro disse, que o governo anterior separou brancos de negros e mulheres de
homens é mais que um absurdo. Mais absurdo que isso é que ele tenha usado a
religião para justificar isso, que somos todos iguais perante a Deus e, por
isso, temos que parar com esse mimimi de minorias. Repito as mesmas frases, eu
sei, mas estamos em tempos de enfatizar o óbvio.
Em um país em que
metade da população vive com menos de um salário mínimo, precisamos aprender a
votar com empatia, pensando no todo, precisamos apoiar medidas populares e não
atacá-las.
Esse ataque
também acontece aos pobres, e esse discurso de falsa igualdade também os
alcança. Eu concordo com o discurso de que, em partes, estamos como estamos por
que temos muito direitos. Mas quem é que tem muitos direitos neste país? A
população que ganha bolsa família ou quem ganha 15 mil de vale refeição? Quem
tem muitos direitos? O trabalhador que paga INSS e se aposenta pelo Estado após
uma vida inteira de contribuição ou os familiares de militares que têm pensão vitalícia?
E vejam, não
estou dizendo que nem um e nem outro estão errados, mas vale refletir sobre
esses extremos, não? Dois anos de governo Temer, totalmente apoiado pelo povo,
e eu só vejo tirarem direitos do pobre e do trabalhador. Agora, Bolsonaro se
elegeu com o apoio do povo à essas mesmas pautas e com esse discurso de
"chega de mamar na teta do governo". Mas gente, quem é que realmente
tá mamando aqui? - É algo a se pensar: do lado de quem estamos, mais perto de
quem estamos? Essas reflexões são importantes especialmente para os pobres e
para a classe média, já que a classe rica no Brasil, que tem renda familiar de mais de seis mil reais, representa
APENAS 5% da população.
Bolsonaro se apresentou como o homem que iria salvar o Brasil do PT, esse governo anterior que ele acusa de dividir a população por criar políticas que alcançavam as minorias.
Acontece que, com políticas sociais
que têm como objetivo nos igualar, ninguém perde, nem os ricos perdem. Um país
menos desigual é um país mais livre da violência. Já que o que causa a
violência não é a falta de bala e a falta de matar bandido. O que causa a
violência é a desigualdade social.
Acreditem, a
igualdade de Deus, da qual Jesus falava, não é a mesma igualdade dos homens.
Infelizmente não é. Para sermos todos iguais neste país, temos um longo caminho
pela frente. O primeiro passo é fazer isso aí que a religião cristã prega,
aliás, que todas as religiões pregam: mais amor ao próximo! Reconheça seus
privilégios e lute pelos direitos dos outros para chegarmos um dia a ser mais
iguais, assim como somos - segundo os ensinamentos cristãos, iguais aos olhos de Deus. Tenho certeza de que, se Jesus voltasse hoje, ele seria um ativista pelas causas das minorias.
Hoje, compartilho este texto que escrevi para
a seleção da oficina de reportagem, da qual tenho orgulho de ter participado! Foi ministrada por ninguém mais, ninguém menos que a incrível Eliane
Brum. Felizmente fui selecionada na época, com dois textos que escrevi conforme os temas que a Eliane escolheu para selecionar os participantes da oficina. Este é um deles:
Um
nome sem significados profundos, um sobrenome inventado
A
entrevista com minha mãe durou apenas um minuto: “Ué, você tem esse nome porque
eu achava bonito. Daí decidi que se fosse menina seria Bruna, se fosse menino, Bruno”,
disse ela, como quem diz a coisa mais óbvia do mundo. Continuei insistindo. Perguntei
o porquê ela achava bonito, se tinha alguma história envolvida, algum motivo
especial. Como ela costuma fazer quase sempre, me respondeu com outra pergunta:
“Por que tudo tem que ter um significado profundo para você?”.
Dela, minha mãe, foi tudo
o que eu consegui descobrir sobre meu primeiro nome. E meu pai não tem ideia
alguma sobre nada, parece que não interferiu na decisão ou, se o fez, não se
lembra. Ele disse ter uma história engraçada sobre a escolha do nome do Lucas,
meu irmão. Ele provavelmente teria mais corpo para este relato. A mim só resta
contar algumas lembranças fugidias de qualquer incômodo – ruim ou bom - que meu
nome tenha me causado.
Em 1996, com dez anos, eu não
tinha uma relação muito boa com meu nome. Na escola em que estudava, o pátio
era dividido: de um lado as meninas e do outro os meninos. Nos horários de
recreio, não sei se pela impressão que o meu corte de cabelo em formato tigela
dava, ou se por maldade mesmo, algumas meninas chamavam a inspetora e diziam que
tinha um menino do lado feminino. Como eu era muito tímida e insegura, até a
confusão ser resolvida, minha alma já estava destruída. Claro, a culpa não era
do meu nome, mas acho que minha cabeça de criança queria colocar a culpa em
algo, e foi no nome. Além disso, existia o fato de, na hora da chamada, com a
intenção de distinguir as cinco xarás da sala, a professora falar o sobrenome
do meio, nunca o último. E isso incitava ainda mais a situação, pois eu
odiava este nome, achava ele comum e sem força, ou sem efeito, ao menos ao lado
do meu primeiro nome. Enfim, essa era a época que eu era Bruna Rodrigues. E, até
hoje, o Rodrigues está um tanto associado com um tempo em que as memórias não
são as melhores. Até que, atualmente, não me incomoda mais, simplesmente não
existe muito na minha vida, apesar de estar timbrado em tudo quanto é documento
pessoal.
Como eu não gostava de ser
quem eu era, não gostava de ser Bruna. Porque era o meu nome, e eu não me
relacionava bem com nada que fosse de minha posse, ao menos é assim que imagino
que este processo funcione, ou possa ter funcionado na minha cabeça de criança.
Lembro de algumas vezes ter
dito diretamente à minha mãe que não gostava do que ela me impôs pra uma vida
inteira: um nome! Perguntei por que não me foi escolhido um diferente como o
da minha irmã, a Fabiola. Pelo menos ela era a única na sala de aula, pensava
eu como argumento. Um dia, por fim, minha mãe retrucou chateada. “Eu também não
gosto do meu nome, e nem por isso contei à sua avó”. Fiquei com remorso e nunca
mais disse que não gostava de me chamar assim.
Só agora me lembrei dessas
pequenas marcas. Hoje, gosto tanto do
meu nome, que tenho essa mania de ficar escrevendo ele com a caneta
incansavelmente para esvaziar a mente, vez ou outra. Como se me olhasse no
espelho. Sinto-me confortável como Bruna, não trocaria de nome com ninguém,
ninguém mesmo. Só contei isso à minha mãe hoje durante a pequena entrevista. Acho
que ela merecia saber.
Hoje eu assino e me
apresento Bruna Magno. Quando entrei na faculdade tive coragem de pedir à todos
os professores que, ao me chamar, esquecessem o Rodrigues. Sou bem apaixonada
pela sonoridade dos dois nomes juntos, pelo efeito visual e pela síntese que apresentam. É o único traço conciso que eu consigo ter, acho.
Do
meu último nome, consegui uma boa história com meu avô. Foi uma entrevista que
brotou há alguns anos atrás e sem querer. Achei a identidade dele em cima da
mesa, e percebi que nem o pai, nem a mãe dele tinham Magno como sobrenome. Mas, meu avô, e todos os seus cinco irmãos tinham, além do Rodrigues, um Magno no
final. Ele me disse que seus pais inventaram, porque achavam que era sobrenome
de guerreiro. Meu avô, Carlos Magno, não sabe ao certo se foi
influência de Carlos, O Grande ou Alexandre, mas disse que deve ser.
Costumo
contar essa história à todos que perguntam sobre a origem do meu sobrenome. Antes
que eu responda, tentam adivinhar que deve ser espanhol pronunciando ‘Manhô’. E
eu sempre digo: “Com essa minha cara de índia, você acha mesmo que eu tenho origem
européia?”, e dou risada. Claro, uma coisa não tem, necessariamente, a ver com a outra, mas todo mundo estranha esse orgulho diferente que vem junto com a piada.
E eu gosto deste estranhamento.
De todas essas histórias,
eu me pergunto se a relação que temos com o nosso nome tem uma ligação direta
com o nome em si, ou só acompanha a forma como nos relacionamos conosco mesmo?
A gente vive, cresce, amadurece e vai, com os anos, se sentindo mais a vontade na
própria pele. Ou mais conformados. Isso parece fazer sentido na minha história.
Mas, ainda assim, eu penso, quase com certeza, que não seria a mesma pessoa se
não me chamasse Bruna Rodrigues Magno. Vai ver é um pouco dos dois. Vai ver uma
coisa não existe sem a outra. Talvez nosso nome nos ajude a construir quem
somos, ao mesmo tempo em que nós construímos e damos vida ao nome que temos.
Será?
Te sei. Em vida Provei teu gosto. Perdas, partidas Memória, pó. Com a boca viva provei Teu gosto, teu sumo grosso. Em vida, morte, te sei. [Hilda Hilst]
Ando pensando na morte.
Provavelmente por ver uma das minhas pessoas tão próxima dela. E também por
refletir tanto sobre a vida. O pensamento de viver anda junto com o de morrer,
inevitalmente.
Semana passada, enquanto voltava
de viagem de Foz do Iguaçu, pensei sobre outra coisa. É que, encarar a estrada,
ir ou voltar, sempre me arranca lágrimas. É sempre a sensação de que algo
acabou ou começou. Pensei sobre isto então: as ausências com as quais
convivemos.
No ônibus, voltando de Foz,
comecei pensando no quanto é chato conviver com a saudade que sinto do meu pai.
Essa foi a sétima vez nos últimos três anos que o visitei. Meus pais se
separaram, meu pai mudou-se para Foz, construiu casa e família nova. Ele vem me
visitar sempre que pode. Eu o visito sempre que o nó na garganta me sufoca,
mesmo quando não posso...
Aí pensei nas viagens que fiz e nas
cicatrizes que me deixaram. “Viajar é viver temporariamente uma coisa que não
volta nunca mais”, pensei. Ah, que tolice... Como se qualquer outra coisa
voltasse... É que, na “vida normal”, não temos a plena consciência de que tudo
é fase e temporário e perecível, em uma viagem sim. Acho que, em geral,
conseguimos viver com mais intensidade quando viajamos, por conta desta falsa
impressão. É a mesma analogia da morte. Sabemos, mas não vivemos pensando nela.
Vamos levando até sermos levados por ela. No entanto, se uma grave doença chega
o fato de que a vida é temporária - como se algum dia não fosse, fica então
muito claro.
“I live in cemetery”
A primeira grande ausência de que
me lembrei foi a de duas grandes amigas conterrâneas de Neruda. Acho que foi
uma das mais marcantes, pois, verdadeiramente, elas foram minhas primeiras
amigas na vida (e isso aconteceu há apenas quatro anos).
Cresci no meio de dois irmãos que
faziam aquelas maldades saudáveis - das quais só os irmãos entendem e, nem com
eles, eu me entendia. Os dois se entendiam bem. Sempre tive essa dificuldade de
inserção, começando por aí. Nunca fiz parte de grupos, nunca tive amigas
dormindo em casa ou vice-versa, sempre fui mais isolada. Sozinha no recreio da
escola, ou me balançando e cantando numa rede, sempre sozinha.
Até os 21 tive colegas, fases até
que legais e tentativas inúteis de inserção. Mas nunca tive amigos. Quero
dizer: nunca tive o que só hoje tenho certeza do que é uma relação de amizade.
Então, a primeira vez que me percebi em uma amizade - com tudo o que isso
significa, foi com elas. E foi lindo. Algo que nunca experimentei antes,
sintonias e trocas e crescimento.
Isso me marcou para sempre por
que as primeiras pessoas com quem experimentei isso eram pessoas que, muito
provavelmente, eu não iria compartilhar um futuro. E essas coisas são bonitas
mesmo, porque você vai vivendo e a relação vai crescendo e ficando forte, até
que chega um momento em que você simplesmente faz parte do mundo daquela pessoa
e ela do seu. Quando esse momento chegou, falamos do quão triste era pensar
que, após o término da temporada, não iríamos mais conviver. Elas me cantaram:
“All I wanna do is have some fun” e eu perguntei completando: “until the Sun
comes up on Santa Monica Boulevard?”
Era assim: tudo meio musicado. No
dia em que nos conhecemos, fomos caminhar na cidade, não lembro em direção ao
que caminhávamos, talvez a um supermercado, não sei e nem importa. O caminho é
que importa (isso sempre!). Passamos em frente de um cemitério, nos olhamos e
começamos a cantar juntas “I live in cemetery”. Essas sintonias sempre me
fascinam! Parece um sinal de que estamos nas relações certas.
Elas me visitaram seis meses após
nos despedirmos em Utah. E eu as visitei um ano depois que nos despedimos no
Brasil (ai, essas despedidas!). Já se passaram dois anos desde que voltei do
Chile. Ainda nos falamos, só que o tempo – mais que a própria distância -
espaça tudo. E tentar lutar contra o tempo é vão e artificial.
Como na música que marcou o dia
em que conheci duas das minhas grandes ausências - é como se vivêssemos em um
cemitério. Vivemos para sermos enterrados em vida sucessivas vezes.
“We put our feet Just where they
had, had to go”
Bom se eu fosse a única, mas sou
uma em cada tanto de gente que morre assim. Morremos um pouco, dia sim, dia
não. Deixamos pedaços espalhados em cidades, momentos e gentes. E, todos esses
pedaços, todas essas vidas que deixamos, são bonitas, intensas e, por isso
mesmo, sentimos saudades e dói um tanto. Cada cidade e cada pessoa e cada
circunstância, de algum modo, nos transforma, junta o velho com o novo e cria
alguém que nunca fomos antes e nunca mais seremos depois. Mas, cedo ou tarde,
temos que abandonar este alguém tão excepcional, ou para voltar à “vida normal”
de todo dia, ou para partir para outro lugar e criar mais um alguém. Seja como
for, estamos sempre deixando para trás um pedaço ou outro de nós. É tão
inevitável quanto essencial.
Ouvindo The Gulag Orkestar,
em uma frase belamente cantada, entendi algo. “Colocamos nossos pés onde eles
tinham que ir”, dizia a música. É o que todos nós fazemos. Vamos para onde
temos que ir, para onde sentimos que é mais certo. Damos grandes passos que vêm
acompanhados de escolhas. Mesmo com duas ou três opções que gostaríamos de
manter, a vida nos obriga, até por que não existe outra maneira, nos obriga a
fazer uma escolha em detrimento de outra. E, apesar de cada passo adiante
significar a nossa escolha pela vida que queremos, estes passos também
significam o distanciamento de outras vidas que também queremos, mas que, por
só poder viver uma vida, não podemos ter.
Tudo isso seria mais fácil se
fossemos mais livres de apegos. Percebi a necessidade do desapego quando meus
pais se separaram, quando terminei um relacionamento, quando minha avó faleceu.
Sei que é difícil deixar que as coisas morram, simplesmente porque morremos
junto, mas...
Essa semana, li algo bem
reflexivo sobre isso: a entrevista
que Eliane Brum fez com a psicóloga Debora Noal (recomendo que leiam mil
vezes!!!) – Em uma de suas respostas, Debora diz sabiamente: “eu me
levo para todo lugar, né? Eu não tenho como fugir. Eu estou junto comigo o
tempo todo”. E é isso mesmo, tudo o que precisamos é o que podemos
carregar. Por mais cru que isso soe, acredito ser bem verdadeiro. E procuro
este caminho. Porém, ainda estou longe de ser uma pessoa desapegada.
Aprender a morrer
Quase parece que, até pararmos na
frente da tevê e ver que alguém entrou com uma escola matando pessoas tão
inocentes e saudáveis como eu e você, até então, parece que esquecemos que a
vida é frágil. Parece que só teremos que nos deparar com tal fragilidade na
velhice, pois assim é o normal. Assim é que deveria ser. Basta uma tragédia
fora de hora para nos depararmos com uma cócega sobre a imprevisibilidade da
vida.
Fiquei imaginando como seria uma
possibilidade de morte real – não da morte em vida, chegando à mim agora.
Pensei primeiro que seria uma injustiça. Eu confesso que não acredito em tudo,
mas principalmente, eu não desacredito em nada. Penso que tudo pode ser.
Amarguei pensando que posso dormir hoje e ser traída pelas minhas próprias
células, coisa assim, tão natural. Como eu lidaria com um câncer me jogando na
cara que talvez eu esteja com os dias contados? Primeiro, morro de medo.
Depois, fico aliviada lembrando que, no final de tudo, a única coisa que
importa é se a gente viveu com intensidade, com paixão e com tudo o que podia
dentro do tempo que, sei lá quem ou quê (acho que a vida mesmo) nos permitiu viver.
Li um livro do filósofo francês
Luc Ferry que, dentre muitas coisas, fala que tudo o que buscamos é uma
salvação. E a busca da salvação depende da crença de cada um. Para quem crê que
a salvação depende de um ser superior, o caminho é seguir mandamentos, rezar e
coisas afins. Quem crê em si mesmo e em sua própria vida (pessoas para as quais
Ferry escreve), a salvação está em si mesmo e, nesse caso, o caminho é aprender
a se salvar em vida, o que ele chama de aprender a morrer. Saber morrer em vida
faz com que a verdadeira morte seja apenas mais uma morte dentre tantas que
passamos em nosso percurso. Morrer com qualidade, utilizando o sofrimento como
crescimento, alivia nossas perdas, deixando a vida mais leve e nos permite a
capacidade de continuar, apesar de.
Se
amamos o que projetamos, qual o papel do nosso par?
Você
tem uma família maravilhosa, que está sempre presente e te ama, isso sem
dúvidas! Você não tem muitos amigos, mas o suficiente para sentir que sua
coleção está completa. E, ainda assim, com tudo isso, você guarda consigo uma
carência específica. Acontece que num dia qualquer, num lugar qualquer, você
conhece alguém. Alguém que transforma um dia e lugar ordinário em seu lugar e
dia favorito. Vocês ficam juntos e tudo é simplesmente perfeito. Até mesmo as
imperfeições se tornam assim... perfeitas. Você derruba sorvete de morango na
roupa clara, e nem isso mancha o tempo. Vocês contornam o caos sem
dificuldades. O tempo para, tudo para.
Depois
disso tudo, de se sentir tão completo, você volta para casa com seu mundo
chacoalhado e uma cratera na alma. Então pergunta a si mesmo o porquê, logo
você que estava razoavelmente bem até então, logo você, de repente assim, está
invadido de um desassossego imenso. Como pode a presença de alguém, um simples
movimento de alguém, te deixar assim, com uma mortificação dessas?
Oras,
ninguém tem tanto poder assim não. Somos nós, que inconscientemente damos tal
poder a outrem... Existem várias explicações para isso. Todas elas tentam
explicar o motivo pelo qual, durante as idas e vindas da vida, procuramos um par.
Para
quem gosta de uma explicação espiritual, pode-se dizer que quando chegamos
“neste plano” esquecemos de uma de nossas partes, por isso nossa eterna
carência vem da saudade que sentimos de nossa própria alma, ou mais ou menos
isso.
Tem
também o mito do Andrógino, de Platão, que fala sobre seres que tinham os dois
sexos e, por isso, eram completos, inteiros. Quando estes seres Andróginos
começaram a agir como deuses, sentindo-se acima do bem e do mal, provocaram a
fúria de Zeus, que decide por enfraquecê-los, dividindo-os em dois. Assim, os
Andróginos divididos, passam a vida à procura de sua outra metade. -- Eu que
nunca entendi como o Pink Floyd fez o The Dark Side of The Moon nos anos 70,
fico pasma com a genialidade de mitos como estes – lembrando que foram
descritos há mais de dois mil anos, como narrativas de caráter simbólico que
eram a forma de expressar o entendimento da vida em geral naquele tempo.
Para
quem precisa de algo mais consistente que isso, mais científico, vide o
psicanalista Carl Jung. Para Jung, tudo se explica por uma simples palavra:
“projeção”. Quem falou sobre isso primeiramente foi Freud, mas pelo que
entendi, foi Jung quem dissecou o significado disso. Vou sintetizar as
conclusões dele aqui.
Quando
estamos no ventre da mãe, temos a sensação de que somos completos, plenos. Ao
nascer, sofremos um corte físico, o do cordão umbilical. E, conforme vamos
crescendo, vamos sofrendo uma espécie de corte psíquico que divide nossa mente
em consciente e inconsciente. Por isso, crescemos com uma lembrança de que um
dia já tivemos a sensação de onipotência, e não sossegaremos enquanto não a
recuperarmos.
Identificamo-nos
pela consciência. Tudo o que sabemos e acreditamos a nosso respeito faz parte
de nossa consciência. Já, no inconsciente, há muito do que somos e não sabemos
ou ignoramos. Toda a falta que sentimos na vida, toda nossa carência de ter
outra pessoa conosco para nos sentirmos completos é, na verdade, a falta de
elementos de uma parte nossa que está oculta: o inconsciente. Está é a razão,
segundo Jung, de tentarmos encontrar outra pessoa: para projetar os elementos
do nosso inconsciente. Achar que outra pessoa possui algo que nos falta é então
um devaneio...
"Mas
o amor é apenas uma ilusão. A história que alguém compõe mentalmente sobre
outra pessoa”, já tentava explicar Virginia Woolf.
Então,
parece que vivemos uma vida toda de relacionamentos imaginários que sobrevivem
apoiados em nossa própria sombra. (Meio triste ou frustrante?) - Criamos uma
história, compomos alguém mentalmente para conseguirmos enxergar neste alguém o
que precisamos. Na maioria das vezes, esse objeto de amor nem tem mérito diante
das qualidades que lhe damos e, quando possui alguma das qualidades que o
atribuímos é em menor intensidade do que imaginamos.
No
final das contas, tudo o que achamos sobre o outro é o que achamos sobre nós.
Todo sentimento grandioso que nutrimos por alguém, na realidade, nutrimos por
nós mesmos. Os amores platônicos tendem a ser tão bonitos por isso, pois quanto
maior o espaço para projeções assim, quanto menos se conhece sobre o objeto do
amor, mais espaço temos para rechear uma história, mais espaço para preencher a
outra pessoa com o que precisamos para nos sentir completos, preenchendo este
outro de uma parte nossa mesmo. Isso explica o porquê, quem supomos amar,
parece exercer um poder gigante sobre nós: pois necessitamos de um mergulho
profundo que nos ponha em contato com nossa parte mais funda e, com a partida
desta pessoa, desta ilusão, estaríamos novamente na desesperadora superfície.
Eu imaginava
até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria
ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção
daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você
todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez
nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar
era não mais conseguir ver, entende? (Caio Fernando Abreu)
Saber
disso, ter esse entendimento, não nos torna livres de procurar. Saber que essa
metade está dentro da gente, não destrói o desejo de querer procurar algo fora
de nós. Ainda assim, entender sempre liberta e eu nem sei se conseguiria
explicar o que essa liberdade significa, mas insisto que muito muda quando
entendemos (e isso vale para tudo!).
Sendo
assim, tendo tudo o que precisamos em nós mesmos, fico me perguntando qual é o
papel do outro em nossa vida? Esse par que sempre buscamos, o que sinceramente
queremos dele? Vai ver o caminho é ir buscando por nossa saudosa metade dentro
da gente e ir deixando para o objeto de amor outro tipo de relação?! Talvez uma
relação onde percebemos o outro como diferente de nós mesmos e, sendo assim,
estabelecemos uma relação de amor mútuo, compartilhando as aflições que temos
com nós mesmos e em nossas vidas... Será que é isso? Ou vai ver só queremos nos
sentir aconchegados igual nos sentíamos no ventre materno. Aquela sensação
primitiva de calor e acolhimento. É uma coisa bem mais instintiva que racional.
“O eterno acalentar não destrói a ilusão” - Não existe entendimento capaz de
acabar com o desejo por esse embalo do qual Virginia Woolf fala sabiamente.
Quem sabe, tudo o que a gente quer do outro, é um cheiro reconhecível, um
cantinho quente, um porto seguro... Não sei!
Um dos meus poetas prediletos, Pablo Neruda, tem um livro de poesias em forma de perguntas. Cada verso é uma dúvida... Fiquei pensando que, escrever sobre o amor, deveria ser sempre assim, com o ponto de interrogação ao final (e não é?). Pois bem, esse foi o estopim para este texto: uma pergunta! É que, dia desses, uma amiga me cercou de perguntas e, na hora, as respostas que vieram em minha cabeça eram muitas e sem muita coerência. Antes de sair por aí fazendo afirmações das quais nem eu tinha certeza, vim organizar as ideias.
Acho que a questão se resume assim... se quando conhecemos alguém, que tem potencial para entrar em nossa vida, se, para que isso aconteça, tem de haver algo especial desde o começo? Aquilo que chamam de química. Aquilo que faz o coração disparar e a alma arrepiar-se quando se está perto. Muitas vezes nem é preciso estar perto, um simples pensamento pode trazer enjôos e palpitações. Então, afinal, estes sintomas são necessários desde sempre? Ou podem aparecer com o tempo? Existe uma regra para isso?
Lembro que quando terminei um relacionamento, uma das lições que aprendi é que ter toda essa coisa cósmica com alguém não adianta de nada se não tiver outras coisas, tais como afinidades e respeito.
Tem quem escolhe ingressar em um relacionamento somente por pura química, tem outros que decidem embarcar numa relação somente por ter achado um “bom partido” (seja lá o que isso significa). E tem quem une os dois. Assim como tem quem dispensa se não tiver os dois. Se existe um caminho certo, qual seria?
Comecei a observar a história de alguns relacionamentos e a questionar as pessoas ao meu redor sobre todos os relacionamentos que tiveram. A maioria já iniciou uma relação em ambos os casos, ou seja, com ou sem “a coisa” no começo.
Lembro que quando terminei um relacionamento, uma das lições que aprendi, é que ter toda essa coisa cósmica com alguém, não adianta de nada se não tiver outras coisas, tais como afinidades e respeito.
Uma das minhas fontes me ajudou a tirar uma conclusão disso tudo. Contou-me que por muito tempo tentou encontrar, incansavelmente, a tal da "pessoa certa”. Várias vezes se deparou com alguém que tinha chances de ser esta pessoa, mas, na falta da “coisa", ela deixou passar. Até que se cansou, e conheceu alguém potencial, porém sem sentir “a coisa”. Mesmo assim, decidiu apostar suas fichas. Parece que deu certo. Me contou que construíram um amor, uma história.
Acho então, que não existe um certo ou um errado, ou uma regra (conclusão previsível tratando-se de relacionamentos amorosos). Acho que tudo pode ser. Algumas pessoas - por carência ou cansaço, ou sei lá o que - resolvem sossegar o coração e ter um relacionamento, com ou sem “a coisa”. E têm outras pessoas que se recusam a aquietar-se enquanto não sentirem aquele frio na barriga.
Sinceramente eu não soube dizer para uma amiga se ela deveria ir em frente mesmo sem arrepio inicial, ou se ela deveria pular fora e só se envolver quando sentisse essa irradiação divina. Eu não sei da vida dos outros, não sei o que é essencial na vida de cada um e, por não achar que isso é algo que se aplica à todos, acho que foi bom nem opinar. Da minha vida eu sei! E, apesar de ter aprendido que de nada adianta sentir calafrios e irradiações especiais sem todo o resto, também, para minha vida, não adianta todo o resto se eu não sentir que meu universo se transforma por conta da existência de outro alguém. Cada um é cada um, mas eu não me aquietaria por nada menos que aquela coisa mágica me socando a espinha. Ainda que, como disse Caio Fernando Abreu, “depois venha o tempo do sal, não do mel”.